Perder peso é mais difícil do que a termodinâmica aparenta, embora o processo não fuja às leis universais da Física. Para emagrecer temos de gastar mais energia do que a convertida a partir dos alimentos que ingerimos. O déficit calórico permite mobilizar reservas e perder massa, sob a forma de CO2 e água. Não existe outra maneira. Mas se é assim tão linear, porque razão é tão difícil perder peso? Porque motivo apenas 5-15% das pessoas consegue manter mais de 10% do peso perdido ao fim de um ano? E mais do que isso, deixando de lado os factores comportamentais de maior relevo, o que explica a diferença interindividual na resposta, com alguns a perder tão facilmente e outros não?
Apensar da simplicidade do modelo E = Ein - Eout, o organismo humano não é um sistema termodinâmico isolado mas que está em constante troca com o Meio. Dissipa energia sob a forma de calor e a eficiência energética é na verdade baixa. Apenas 16% de aproveitamento de toda a energia potencial é efectivamente usada para trabalho. E como tal, existe uma margem elevada de variação nestas trocas que não influencia a manutenção das nossas funções fisiológicas vitais. Parte desta termogénese é facultativa, ou seja, regulada activamente pelo organismo em resposta a um contexto. Falamos de condicionantes como a disponibilidade de energia, manutenção da temperatura corporal quando expostos ao frio, stress, e outros factores de desequilíbrio homeostático.
O peso corporal é mantido sob um equilíbrio de mecanismos regulatórios influenciados directamente pela massa gorda, o “reservatório”. Que “enche” ou “esvazia” consoante o diferencial entre o fluxo in e out, regulável pelo próprio. A Leptina produzida pelos adipócitos funciona como um lipostato, indicando ao hipotálamo o estado energético da reserva global. Perdemos peso, ou simplesmente reduzimos o aporte energético, e a sua produção diminui sinalizando uma quebra energética. O hipotálamo responde, acionando mecanismos orexígenos (aumento de apetite) e reduzindo o tónus simpático do sistema nervoso autónomo. A produção de TSH baixa, tal como a conversão de T4 em T3, a forma mais activa das hormonas tiroideias. Em restrição energética há uma quebra adaptativa na função tiroideia que, em conjunto com a redução da actividade simpática, se repercutem numa maior conservação e eficiência energética. Mas qual a dimensão deste gap energético, que definimos como termogénese adaptativa (AT)? A diferença no dispêndio energético esperado e real, que não é explicada pela variação na massa dos tecidos metabolicamente activos.
A existência de AT não é discutida, mas o mesmo não se poderá dizer do seu impacto na perda de peso. Os primeiros estudos que a demostram remontam aos anos 40, como é o caso do famoso Minnesota Starvation Experiment de Ancel Keys. Um grupo de homens com peso normal foi sujeito a privação energética severa, -55% do gasto diário, durante 24 semanas para estudar a resposta fisiológica à fome. A perda de peso média rondou os 16 Kg ao final da experiência, com uma redução em 20-25% da taxa metabólica basal. E quando essa redução foi ajustada para a massa magra e gorda, manteve-se 15% inferior ao previsto. O metabolismo parecia estar efectivamente “mais lento”.
Depois de Ancel Keys vários investigadores se dedicaram ao estudo da termogénese adaptativa e seu impacto na perda de peso. O trabalho de Leibel et al. (1995) é um dos mais citados sobre esta matéria, demostrando que uma perda de peso de 10% e 20% com restrição calórica (800 kcal/dia) levava a uma AT de -244 e -301 kcal/dia respectivamente. A diferença entre o dispêndio energético basal diário esperado e medido. Doucet et al. (2001) estudou o impacto de uma restrição calórica mais moderada, entre 500 a 700 kcal/dia. Verificou-se que após duas semanas a AT era em média - 110 kcal, e 6 semanas depois tinha reduzido para -230 kcal/dia. Mais tarde, Fothergill et al. (2016) avaliou a AT em 16 participantes do concurso The Biggest Loser, EUA, 6 anos após o final. Identificou-se uma adaptação metabólica persistente em -499 kcal/dia, e maior nos indivíduos que perderam mais peso. No entanto, convém salientar que o sucesso da intervenção foi superior à que verificamos em estudos científicos com o mesmo objectivo. Isto porque cerca de 57% dos participantes conseguiram manter uma perda de peso superior a 10% ao fim dos 6 anos. Em média, apenas 20% das pessoas mantém uma perda >10% ao fim de apenas 1 ano. O que mais uma vez sublinha a importância determinante dos factores comportamentais.
A verdade é que nem todos os trabalhos demonstram a existência de AT, ou verificam-na de uma forma modesta e sem impacto expectável na perda de peso. Muitas vezes menor do que o próprio erro da metodologia (7-10%). E na verdade, num cenário já ousado, mais de 80% da variação no output continua a ser explicada pela actividade física. A AT é sem dúvida o elo mais fraco, mas que não deve ser menosprezado no seu impacto a médio-longo prazo. Mas na grande maioria dos casos poderá ser compensada facilmente com aumento da actividade física, minimizando a sua importância para a perda e manutenção do peso. Na Minnesota Starvation Experiment de Keys, para além da AT estimada em 15%, verificou-se uma redução de 71% no gasto associado à actividade física. Se mantido teria facilmente compensado a adaptação metabólica verificada.
Um dos aspectos mais importantes que podemos verificar nos vários estudos que avaliam a AT é a enorme variação interindividual numa heterogeneidade de amostras. Por exemplo, Doucet et al. (2001) mediu variações entre 50 e 650 kcal/dia após 8 semanas com um déficit diário de 500-700 kcal, deixando bem patente as diferentes respostas à restrição energética. Alguns indivíduos simplesmente não estavam em deficit calórico e, naturalmente, o peso não baixava. Também Fothergill et al. (2016), na sua amostra de participantes no The Biggest Loser, verificou uma variação de 50% em torno da AT média (-499 kcal/dia). E Hollstein et al. (2019) demonstrou que uma redução maior do que esperado no dispêndio energético em resposta ao jejum se associa a ganho de peso, mesmo em homens normoponderais. Portanto, quanto maior a AT em resposta à restrição energética maior a dificuldade em emagrecer e o risco de recidiva, dependendo da dimensão dessa adaptação metabólica. Mas o que explica esta diferença interindividual?
O estudo de indivíduos “magros constitutivos”, com grande dificuldade em ganhar peso, ajuda na compreensão deste fenómeno. O seu fenótipo “gastador” associa-se a uma menor termogénese adaptativa em restrição, e maior quando o aporte calórico aumenta. É necessária uma grande variação energética para que o peso oscile do equilíbrio. Ao contrário, fenótipos “poupadores” conservam mais energia quando em deficit, e aumentam menos o dispêndio quando em consumo excedentário. Apresentam uma facilidade óbvia em ganhar peso e dificuldade em o perder, que poderá ter uma base genética relevante embora não esteja ainda caracterizada. Mas convém sublinhar que a AT não é a única diferença entre estes fenótipos. Os “poupadores” apresentam também uma maior regulação homeostática do apetite e flexibilidade na alternância de substratos energéticos que contribuirá igualmente para essa diferença na propensão ao ganho de peso.
Não é abusivo pensar que estes “poupadores” prevalecem mais entre obesos e indivíduos com excesso de peso. Ou seja, que nestes o peso da AT em restrição calórica seja maior na redução do dispêndio energético. Tendo em conta que a AT se manifesta de forma precoce, progressivamente num espaço de dias a semanas, uma restrição modesta no aporte pode ser ineficiente em reduzir o peso. Se retiro 300-400 kcal posso na verdade estar apenas num contexto isocalórico e dentro da amplitude energética de manutenção. E por isso são recomendáveis estratégias iniciais mais agressivas em casos de obesidade para relativizar o impacto da AT. Hall et al. (2011), e eu próprio na verdade, recomendam que o processo de perda de peso seja executado em duas fases. Uma inicial de perda agressiva, seguida de uma longa fase de manutenção focada na componente comportamental.
Numa fase inicial do tratamento da obesidade, que poderá durar 6 meses a 1 ano, um deficit energético entre 50 e 75% é comportável. Existem simuladores validados que ajudam a calcular o deficit necessário para atingir o peso alvo no timing definido, como o algoritmo desenvolvido pela equipa de Kevin Hall do NIDDK-NIH baseado num modelo dinâmico que considera as variações na massa dos tecidos metabolicamente activos. Um deficit calórico acentuado que induza perda inicial rápida de peso tem aspectos motivacionais positivos que facilitam a adesão, e tende a atenuar a fome expectável em restrição. Além disso, apesar de alguns estudos sugerirem maiores perdas de massa muscular e AT com restrição severa, a verdade é que o sucesso parece superior e o risco de recuperar o peso idêntico a uma perda mais moderada. Sem efeitos adversos verificados ou diferenças a nível da redução na Leptina para uma mesma perda de peso total. A fase crítica é a manutenção, que não tem um prazo definido e pressupõe um aumento do aporte energético até 85-90% das necessidades totais estimadas. Salvaguardando a AT induzida, que pode persistir durante muito tempo (mais de 5 anos).
A magnitude da restrição inicial depende da dimensão das reservas energéticas. Indivíduos obesos com mais gordura toleram deficits energéticos maiores do que indivíduos normoponderais que pretendem optimizar a composição corporal. A abordagem é completamente diferente para uma mulher de 80 Kg com 40% de massa gorda, ou outra com 60 Kg e 25% de gordura que pretenda atingir a faixa dos 18-20%. A capacidade de transferência de energia do tecido adiposo para oxidação é limitada, e estimada teoricamente em 69,3 kcal/Kg de massa gorda por dia. Já Forbes em 1987 tinha verificado uma função não linear entre a fracção de peso perdida que deriva da massa magra e a gordura total. Quanto maior a massa gorda absoluta, menores as perdas de massa muscular para o mesmo deficit calórico. E por isso, um deficit calórico constante de 500 kcal/dia produz resultados distintos em dois homens de diferente massa corporal, um com 100 Kg e outro com 80 Kg. Por contraintuitivo que possa parecer, o homem de 100 Kg irá atingir um peso menor no plateau (-3 a 5 Kg em comparação), e atingirá esse equilíbrio mais tardiamente (4 vs 2 anos). Isto porque mais massa gorda inicial vai permitir uma maior preservação de massa magra e do dispêndio energético, resultando numa dinâmica de redução de peso mais favorável a longo prazo.
O estabelecimento de um deficit calórico para perda de peso coloca-nos alguns desafios. Em primeiro lugar, é difícil calcular quais as necessidades energéticas diárias totais. Mesmo com recurso ao método da água duplamente marcada, a precisão da avaliação não excede os 5%. Em clínica existem limitações derivadas do erro da avaliação da composição corporal, estimativa do dispêndio basal, e da actividade física diária. Do outro lado, faltam métodos fidedignos para monitorizar o aporte energético. Questionários de frequência alimentar e diários são extremamente falíveis e tendem a subestimar o que é realmente ingerido como demonstrou Lichtman et al. (1992). Por outras palavras, estamos a trabalhar dentro de uma margem de erro enorme. Tudo isto, aliado à rápida AT em restrição e variável entre sujeitos, sugere-nos que pequenas reduções no aporte calórico não são eficazes no tratamento da obesidade. Um deficit de 300-400 kcal cai facilmente na faixa da AT. Além disso não devemos desconsiderar a probabilidade de reporte por defeito no consumo calórico diário. Não esquecer que o próprio apetite aumenta em deficit. Facilmente saímos de um contexto teórico deficitário para uma dieta isocalórica de manutenção. O mesmo não se verificará para um indivíduo normoponderal ou com percentual de massa gorda controlado. Não só é expectável que a AT seja menor, como a menor extensão das reservas acentua o catabolismo muscular em deficit energético acentuado. Uma restrição de 300-500 kcal/dia, ou 20-30% das necessidades totais, será à partida suficiente para reduzir a massa gorda total em preservação da massa magra.
A grande maioria dos estudos mostra uma dinâmica de perda de peso idêntica. Redução acentuada nos primeiros 3 meses, atenuação da taxa de perda até aos 6, o ponto de peso mínimo, e recuperação em diante. Recuperação essa que apenas se associada parcialmente à adaptação metabólica em restrição, e muito mais à menor adesão e redução da actividade física diária. Na verdade, o retorno a uma dieta isoenergética tende a anular a AT rapidamente. Mas em alguns indivíduos predispostos, a AT pode representar uma fatia importante na redução do dispêndio que dificulta a manutenção da restrição calórica. A manutenção de um dispêndio elevado por via da actividade ajuda a minimizar grandemente o seu impacto, e daí também a importância do exercício na manutenção do peso. A adaptação metabólica não deve ser vista como um impedimento, mas terá de ser considerada em qualquer programa de perda de peso que se quer bem sucedido.
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