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Foto do escritorSérgio Veloso

Efeitos secundários e alterações bioquímicas associadas à whey protein

Os suplementos proteicos são um recurso comum entre os entusiastas do fitness, quais “atletas da vida” que investem com grande fé em tudo o que promete resultados mais rápidos. Sem menosprezar a importância das proteínas, a verdade é que muitos dos que suplementam não precisariam delas. Precisariam sim de optimizar uma alimentação desadequada. Mas mesmo assim não são um bicho papão como muitos profissionais de saúde os tratam, por puro preconceito e até ignorância. Vão dar cabo dos rins ou o fígado vai sofrer. No entanto, a suplementação com proteína, e em particular com proteína de soro do leite (whey), pode levar a algumas alterações bioquímicas que geram confusão na sua interpretação quando não contextualizadas. E outros efeitos secundários para que devemos estar alerta.


Distúrbios gastrointestinais


Alguns indivíduos sentem desconforto e flatulência com a toma de whey protein, muitas vezes associado em exclusivo à lactose que persiste ao processo de filtração. No entanto, mesmo a whey isolada com teores de lactose <3% pode provocar esse desconforto em certos indivíduos. Algum grau sensibilidade à proteína láctea e metabolização dessa proteína pela microbiota deverá ser também uma causa dos distúrbios, ou até a outros constituintes da fórmula comercial. Ou simplesmente o ar gerado quando se prepara o batido por agitação vigorosa. Mas nem todos experiência estes sintomas, ou pelo menos em grau que justifique a paragem da toma se esta é indicada.


Acne


Em indivíduos pré-dispostos a whey protein pode exacerbar o acne, e o intermediário desta reacção parece ser a insulina. A whey protein é insulinotrópica pelo seu efeito estimulador da GLP-1 e elevado teor de leucina que potencia a secreção de insulina pelo pâncreas. Em específico o seu cetoácido (cetoisocaproato) que estimula a glutamato desidrogenase e a formação de cetoglutarato que integra o ciclo de Krebs. É o aumento da síntese de ATP que sinaliza a célula para a libertação de insulina.


A insulina actua como factor de crescimento e inibe a produção hepática de IGFBP3, uma globulina de ligação ao IGF-1. O IGF-1 livre aumenta e estimula a 5a-redutase nos tecidos androgenos que convertem a testosterona em DHT. A produção de sebo aumenta por acção da DHT até obstrução do poro e estarem criadas as condições para a proliferação bacteriana. Convém salientar que nem todos experienciam acne com a toma de whey, e uma predisposição individual será necessária para o efeito.


Aumento das transaminases (ALT e AST)


A elevação das transaminases é muitas vezes associada à inflamação e degeneração hepática. No entanto, é bom lembrar que também o músculo produz ALT e AST, que extravasam quando o músculo é agredido e são gerados microtraumas que permeabilizam a membrana. Uma resposta normal à actividade física. Após um treino intenso a ALT e AST podem subir ligeiramente por um período de até 6 dias. Apresentar uma AST ou ALT de 60 ou 70 U/L não é por si indicador de dano hepático num atleta. Mas valores >100 U/L muito dificilmente serão atingidos por outras causas que não essa. A magnitude da elevação e contextualização com o treino devem ser tidos em conta na interpretação dos valores analíticos.


Sabemos também que a ALT e AST são enzimas indutíveis pelo consumo proteico. A sua expressão sobe com o aumento da ingestão proteica de forma a garantir uma metabolização mais eficiente. A ALT intervém na gluconeogénese, processo estimulado com um elevado consumo proteico. A AST é importante no ciclo da ureia que permite eliminar a amónia tóxica gerada no metabolismo dos aminoácidos. Como tal, um consumo proteico elevado, com ou sem suplementação, leva a uma resposta adaptativa que passa por uma maior expressão destas enzimas e níveis séricos basais superiores à norma. E a verdade é que a whey se torna particularmente propícia devido à hiperaminoacidémia induzida e à sua elevada taxa de metabolização hepática com alocação de aminoácidos para oxidação. Suplementando, ou com consumos proteicos elevados, são de esperar valores de AST e ALT acima da norma, mas inferiores ao considerado uma hipertransaminemia de relevância clínica.


Elevação da ureia


Indo ao encontro do que falámos no ponto anterior, um aumento do aporte proteico acima da necessidade absoluta leva a um aumento da produção de ureia na eliminação dos resíduos da metabolização dos aminoácidos. E daí é natural que no contexto de uma dieta hiperproteica possamos encontrar valores de ureia próximos do topo da faixa de normalidade ou até um pouco acima dela sem qualquer disfunção renal associada. O valor de equilíbrio é que alterou. A redução do aporte proteico ou o aumento do consumo de hidratos de carbono levarão à normalização rápida dos valores. Estes últimos por pouparem proteína da oxidação via neoglucogénese.


Mais uma vez a whey protein é particularmente propícia a aumentar os níveis séricos de ureia devido à sua cinética rápida de absorção intestinal e hiperaminoacidemia induzida nos 60-120 min após toma. Muitos desses aminoácidos disponíveis são oxidados e metabolizados pelo fígado antes de serem “aproveitados” por outros tecidos, gerando ureia para eliminação renal.


Aumento da proteinúria

Sim, em alguns casos a toma de whey pode gerar proteinúria, ou seja, eliminação de proteína na urina. Óbvio que não é a proteína ingerida que sai na urina, mas sim proteínas plasmáticas que não são reabsorvidas nos rins. Num contexto normal isto poderia ser um indicador de lesão renal. No entanto, os aminoácidos de cadeia lateral alcalina, histidina, arginina e especialmente a lisina, inibem a reabsorção de proteínas plasmáticas nos rins. Quando os níveis destes aminoácidos estão elevados é de esperar uma maior proteinúria, o que acontece após a toma de whey. Na hipótese de proteinúria numa amostra pontual de alguém a suplementar com whey, outros exames de maior especificidade devem ser feitos para avaliar a função renal. Silenciosa como sabemos nas fases iniciais e que merece uma monitorização periódica. Já aqui vimos que a associação entre o consumo proteico e disfunção renal é um mito sem evidência científica que o suporte.


Um atleta, ou alguém com um nível de actividade física que se aproxime de tal, não deve ser avaliado da mesma forma que o indivíduo comum. Estar fora das normas estabelecidas para a população em geral não significa necessariamente estar doente ou no caminho para tal. E a suplementação pode igualmente desviar da norma em alguns casos, o que não deve ser imediatamente interpretado como um risco. É importante contextualizar e procurar critérios específicos para o diagnóstico de eventuais suspeitas.






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