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O vício dos alimentos salgados e crocantes

Atualizado: 3 de out. de 2020

O sal, ou mais correctamente o sódio, é considerado um dos inimigos da saúde pública, embora alguns estudos sugiram até um aumento da mortalidade com um consumo severamente reduzido. No entanto, é consensual que o maior problema da sociedade Ocidental é o excesso e não o déficit, resultando numa enorme prevalência de hipertensão como factor de risco cardiovascular.


Mas porque gostamos tanto de sal? Mais uma vez na linha de pensamento de Dobzhansky, nada em Biologia faz sentido sem ser à luz da evolução. Com as nossas origens na savana, um ambiente em que as fontes de sódio seriam escassas. Sendo um elemento essencial à vida, é natural que a apetência para alimentos ricos em sódio fosse grande, e como tal o prazer de os ingerir. Mecanismo esse que foi conservado na nossa Evolução até aos dias de hoje.


Mas o Mundo mudou, e muito. A nossa apetência fisiológica por sal traduziu-se no aparecimento de alimentos processados com quantidades muito elevadas de sódio na sua composição. Não só pelo prazer que deles retiramos, mas também pela funcionalidade que ele tem. Um pão sem sal cria uma crosta superficial muitos antes de o interior cozer. O sal aumenta a “shelf-life” dos alimentos pela sua acção antibacteriana e fúngica. O sal mascara a predominância de um sabor, e de todos os elementos químicos usados na confecção. Tudo sabe melhor com sal.


As recomendações oficiais têm sido no sentido de reduzir o sal, mas com pouca expressão prática. Porquê? Provavelmente porque são abstratas para o consumidor. Dizer que o consumo de sódio não deve passar as 1,5 g por dia, e de sal não mais de 6 g diárias pouco ou nada significa para a pessoa comum, que não tem ideia do que isso representa. Mas considerando que na alimentação Ocidental cerca de 2/3 do sódio provém dos processados, talvez seja aí que as acções devem incidir. Trabalhar com a indústria para reduzir severamente o sódio, algo mais fácil dito do que feito. Ou levar a que as próprias pessoas reduzam o consumo deste tipo de alimentos que nada de bom nos acrescentam.


Mas o sódio não deve ser vilificado, pois é também uma necessidade fisiológica. As incongruências dos estudos relativamente à mortalidade devem-se à resposta homeostática do corpo quando se restringe demasiado o sal. O activação do eixo aldosterona-renina-angiotensina tem efeitos deletérios no sistema cardiovascular, aumentando a produção de radicais livres de oxigénio e levando a disfunção endotelial e resistência à insulina. O equilíbrio é necessário.

Apesar da nossa apetência natural por sal, ela pode de certa forma ser desaprendida. As crianças não nascem com a percepção do sabor salgado, e só a ganham quando estes alimentos são introduzidos na sua alimentação. E sabe-se que mesmo em adultos a diminuição do consumo de sal durante uma semana é suficiente para baixar o limiar do salgado, levando a uma percepção de excesso com quantidades cada vez menores. É um mecanismo condicionado que pode ser usado a nosso favor. Basta para isso reduzir o consumo, tendo em atenção as fontes escondidas como os alimentos processados.


E poucos alimentos são tão apelativos e viciantes como as batatas fritas, e a indústria alimentar sabe disso. “Aposto que não consegues comer só uma”, era um antigo slogan das Lays, marca que hoje e desde há muito domina o mercado. Na verdade, a indústria afinou de tal forma a sensação de prazer para o consumidor que dificilmente deixamos de ficar agarrados ao pacote até à última batata. E aqui está a explicação:

Textura crocante – os alimentos crocantes despertam prazeres sensoriais auditivos durante mastigação. Para terem uma ideia do ponto a que chega a exploração desta sensação hedónica, estes produtos são formulados para “partirem” na boca com uma pressão de 4 psi, a nossa preferida segundo vários estudos levados a cabo nos grandes centros de investigação dos gigantes da indústria alimentar.

Sal – não só a grande quantidade de sal é importante para preservação do alimento (maior shelf-life), como também realça outros sabores e mascara os preservastes químicos utilizados. Além disso, o prazer que o sal, mais propriamente o sódio, nos dá está impresso na nossa fisiologia. Temos grande apetência hedónica para alimentos salgados, algo preservado dos nossos primórdios e origens na savana, onde o sódio seria escasso.

Gordura – para além da densidade energética, proporciona também uma sensação cremosa na boca que distribui outros elementos nas papilas gustativas.

Amido – o amido de rápida digestão pela amilase salivar age como açúcar, glicose, nos receptores bocais e gastrointestinais, favorecendo uma sensação de prazer que pouco difere do sabor doce, mesmo não o sendo (conferido essencialmente pela frutose). Refiro-me a um aumento da dopamina e activação de centros cerebrais associados ao prazer imediato e euforia.

Não admira que sejamos tão “agarrados” a estes alimentos. Eles exploram toda a componente hedónica da alimentação, driblando os mecanismos fisiológicos de controlo do apetite em prol do prazer. Esta é a verdadeira lei das Lays.



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