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O vinho tinto faz mesmo bem?

“Um copo de vinho às refeições faz bem” é uma máxima muito comum para justificar um comportamento de benefício duvidoso, mas que nos dá prazer e de que não queremos abdicar. Para quem gosta pelo menos. Os benefícios do álcool, e mesmo do vinho tinto, estão muito longe de comprovados e limitados a estudos observacionais ou em modelo animal com doses massivas de fitoquímicos de interesse nele presentes, como o resveratrol. Ou em dissertações teóricas sobre os benefícios desses compostos. Mas em doses que só encontramos em dezenas de litros diárias (>50 L/dia), muito além de qualquer nível que possa ser considerado sensato, ou até possível sem um coma alcoólico. Os estudos observacionais como o paradoxo Francês não são prova dos benefícios do vinho tinto. Existem outros hábitos indissociáveis de quem o bebe que confundem essa associação. Tão simples como o facto do vinho ser tradicionalmente bebido nas refeições “de mesa” e em contexto social/familiar, e não fora delas como a cerveja e bebidas espirituosas.


Um outro aspecto a considerar em relação ao vinho, ou do álcool em geral, é o seu impacto antes ou durante uma refeição no aporte energético espontâneo. E como podemos ver no trabalho que mostro, a ingestão aumenta significativamente em comparação com a condição controlo sem vinho tinto. O mecanismo que leva a este aumento não é claro, mas pensa-se que passará por um efeito facilitador e desinibidor do apetite, e até do próprio comportamento. O álcool actua nas mesmas regiões cerebrais associadas ao prazer, recompensa e reforço que os alimentos de conforto e de elevado poder gratificante. O sistema mesolímbico. Em conjunto com a refeição poderá potenciar estes mecanismos que driblam a saciedade homeostática para um aumento do consumo além da necessidade efectiva. Um copo de vinho à refeição não faz mal. Muito menos se o consumo for pontual. Nem faz bem... Só nos dá prazer, o que é justificação suficiente para um consumo moderado e excepcional, sem necessidade de imaginar outras. Sabe bem, e ficamos por aqui. Mas pode levar-te a comer mais inconscientemente, o que se ocorrer de forma esporádica também não é um drama. Mas de forma rotineira talvez seja um comportamento a repensar.


Já aqui falámos sobre o impacto do álcool na síntese proteica e hipertrofia. Não é um drama, mas sabemos que efectivamente reduz a acreção proteica e pode ter um impacto negativo a nível hormonal. Um consumo moderado e pontual não terá certamente grande efeito nem vai arruinar os teus ganhos no ginásio a longo prazo. Mas benefício não traz certamente a não ser o prazer que nos dá. E tudo bem quanto a isso.


Quando abordo esta questão e exponho a minha análise à evidência disponível há sempre um ou outro que me cai em cima em defesa do vinho tinto. Um lobbie forte em Portugal já que somos um país com tradição vincula e muito jeito dá o estandarte da saúde. Um copinho de vinho faz bem! Mas citando Griswold et al. (2018) no Lancet, “o consumo de álcool é um dos principais factores de risco e causa de uma deterioração da saúde. Descobrimos que o risco de morte por qualquer causa, e em particular de cancro, aumenta com um consumo crescente e o nível de consumo que minimiza o risco é zero. Estes resultados sugerem que as políticas deverão ser revistas a nível Mundial, com foco na redução do consumo a nível populacional”. A epidemiologia tem destas coisas. Serve todos os interesses mediante o ângulo em que se aborda a questão.


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