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Foto do escritorSérgio Veloso

O mito da fruta com a bolachinha

Um dos mitos mais comuns por cá na prática nutricional é a ideia de que a fruta não deve ser ingerida sozinha, mas sempre com um hidrato de carbono complexo. Que invariavelmente vai dar à bolachinha. Maria, marinheira ou de água e sal. Caso contrário a glicemia dispara e vamos ter fome mais depressa. Ora, vamos tentar perceber juntos o quanto isso não faz sentido nenhum.


As justificações que ouço passam sempre pela redução da taxa de absorção dos açucares da fruta adicionando um amido. Um hidrato de carbono complexo. Mas a verdade é que isto não acontece, e sim o inverso. A fruta é que reduz a taxa de absorção do amido, pelo teor em fibra solúvel, e a glicemia após refeição pelo efeito que doses catalíticas de frutose têm na captação hepática de glicose. Um fenómeno descrito já nos anos 80 e cuja má interpretação levou a recomendações e práticas sem senso, ensinadas e disseminadas. Além disso, a fruta é rica em fibra solúvel, com capacidade expansível quando hidratada e que atrasa o esvaziamento gástrico. A digestão e motilidade do tubo digestivo fica mais lenta e os alimentos são assimilados de forma mais gradual.

Em resumo para quem de interesse, a frutose-1-fosfato derivada da acção da frutocinase hepática sobre a frutose inibe o péptido regulador da glucocinase (GKRP). Esta proteína é um regulador do fluxo glicolítico e da captação de glicose pelo fígado. A sua inibição permite que o fígado capte mais glicose, derivada também da fruta mas principalmente do amido digerido, chegando menos à circulação periférica - redução da glicemia após refeição. A circulação intestinal drena para a veia porta e o fígado é o local por onde a glicose passa primeiro.


Além disso, a velocidade de absorção dos hidratos de carbono na fruta é tendencialmente mais baixa do que o amido, presente nas bolachas, pão, e outros que se possam lembrar. Salvo algumas excepções. Trata-se de açúcar intracelular, contido dentro de estruturas fibrosas que necessitam de digestão mecânica e química para que possa ser acedido e assimilado. E por isso também o Índice Glicémico de uma maçã é metade do que verificamos para umas bolachas de água e sal. E de uma forma genérica, a glicemia em resposta à fruta é bem menor do que ao pão, um hidrato de carbono complexo que não difere muito de umas bolachas de água e sal.


Ficarão certamente bem servidos com a fruta sozinha, e o único motivo pelo qual poderão sentir menos fome é porque de facto estão a ingerir mais energia e hidratos de carbono no total quando adicionam a bolacha... Mas não há motivo para não comer a fruta só por si, a não ser em diabéticos dependendo da resposta individual. E mesmo assim a bolacha estará longe de ser a melhor opção…


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