Quem segue o meu trabalho sabe que uma das áreas em que ele incide é precisamente a problemática dos Esteróides Anabolizantes. Um assunto ainda tabu mas que tem assumido nos últimos anos uma dimensão suficientemente grande para que comece a ser abordado entre os profissionais de saúde. Tenho sido convidado para lecionar sobre o tema em várias faculdades de medicina nacionais e na Escola de Saúde do Serviço Militar, sinal de um interesse crescente que advém da necessidade incontornável em lidar com o problema nas suas várias vertentes. Por agora fica uma breve introdução, de uma perspectiva técnica e "no terreno", que será complementada posteriormente com uma caracterização das várias substâncias e efeitos secundários, terapia pós-ciclo e dependência.
Podemos definir doping como a utilização de substâncias ou métodos proibidos de forma a melhorar o desempenho – os ergogénicos. Falamos de esteroides anabolizantes, hormona do crescimento, eritropoetina (EPO), narcóticos, estimulantes, etc. Anualmente a Agência Mundial Anti-Dopagem (WADA) publica uma extensa lista de agentes dopantes ilícitos banidos do desporto de alta competição, sendo alguns deles fármacos controlados ou substância de uso recreativo criminalmente punido.
A verdade é que desde sempre o Homem procurou estratégias várias para melhorar o desempenho, no desporto e não só. Atletas na época clássica, nos primórdios dos Jogos Olímpicos na Grécia, recorriam a produtos que acreditavam potenciar o rendimento. Falo de infusões de variadas ervas, mas também a ingestão de testículos de carneiro e boi para “absorver a sua virilidade”. Interessante notar que, apesar de nada saberem sobre a testosterona, já associavam os testículos à virilidade e massa muscular.
Pouco se avançou nesta área até 1889, altura em que o médico Charles-Édouard Brown-Séquard administrou nele próprio um extrato testicular de cão e boi a que chamou de “elixir do rejuvenescimento”. Relatou na conceituada revista The Lancet um aumento do vigor e bem-estar, mas de efeito transitório. Claro que os seus pares médicos não perderam tempo até gozar com ele e a tentar ridicularizar o seu trabalho. Afinal ele estava a injectar nele próprio um extrato de testículo de cão. Nada se sabia até então da presença de androgénios nos testículos, e muito menos acerca dos seus efeitos. Foi a primeira vez que foram relatados.
Foi apenas em 1931 que a androsterona, um derivado da testosterona, foi isolada de uma amostra de urina de polícias. Em 1935 foi a vez da testosterona, isolada primeiramente de um estrato testicular de boi. Nesse mesmo ano, Adolf Butenandt da Schering e Leopold Ruzicka da Ciba, duas companhias farmacêuticas, sintetizaram quimicamente a testosterona a partir do colesterol. Trabalho que lhes valeria mais tarde o prémio Nobel.
A síntese química da testosterona permitiu o estudo dos seus efeitos em humanos. Desde cedo se perceberam ganhos de massa magra e aumento da agressividade. Outros foram sendo descritos e caracterizados pela sua natureza anabólica, no aumento da massa magra e óssea, ou androgénica, relacionados com os caracteres sexuais e comportamentais (figura 1).
As aplicações terapêuticas da testosterona eram evidentes. Não só no tratamento do hipogonadismo e puberdade atrasada em jovens adolescentes, mas também em casos de caquexia, doentes renais, queimados, entre outros. Situações em que havia interesse em isolar aquilo que são os efeitos anabólicos da testosterona, e reduzir o seu impacto androgénico que nestes casos se manifestaria como um colateral. As drogas derivadas de testosterona foram aparecendo, os esteroides anabolizantes, com menor rácio de actividade androgénica/anabólica. Rácio esse ainda hoje utilizado para caracterizar estas drogas e medido pela relação entre a percentagem de aumento de volume da próstata, um tecido androgénico, e do músculo esquelético em ratinhos.
O primeiro autor a sugerir que a testosterona e seus derivados poderiam ter um impacto positivo no desempenho atlético foi Paul de Kruif em 1945 no seu livro “The Male Hormone” - “... It would be interesting to watch the productive power of an industry or a professional group of athletes that would try a systematic supercharge with testosterone”. Mas embora seja atribuído a de Kruif de forma formal, alguns apontam Boje como o primeiro médico a falar sobre o potencial dos esteroides anabolizantes na performance, e também dos seus riscos, ainda em 1939.
Pensa-se que a União Soviética tenha sido pioneira na utilização de esteroides anabolizantes nos seus atletas, com relatos que remontam ao início dos anos 50. Autênticos programas de doping em massa de atletas foram tornados públicos décadas mais tarde, institucionais e governamentais. Falo da antiga República Democrática Alemã (RDA), Federação Russa, e até da Universidade de Nebrasca, EUA. Depois da reunificação da Alemanha em 1990, a ex-atleta Brigitte Berendonk e o professor Werner Franke obtiveram documentos científicos secretos que revelavam um programa de doping patrocinado pelo Estado (RDA), que incluíam teses e protocolos detalhados de doping para atletas. Milhares de atletas foram “tratados” com esteroides anabolizantes, com enfase em mulheres e adolescentes. Os atletas da RDA deram-se particularmente bem entre 1972 e 1990 nos eventos internacionais, e mais tarde percebemos porquê.
Convém salientar que a utilização de esteroides anabolizantes não era proibida inicialmente. Foram banidos do desporto pela comissão médica do Comité Olímpico Internacional em 1974, e o controlo anti-doping instituído em 1976 depois de uma série de positivos em amostras aleatórias de atletas já após a proibição. Estudos retrospectivos realizados em 1972 sugerem que 78% dos corredores usavam ou usaram esteroides anabolizantes. O programa governamental da RDA incluía também estratégias para eludir o controlo anti-doping, bem menos sofisticado do que hoje em dia. Os controlos “fora de competição” foram apenas instituídos em meados dos anos 80, pelo que até lá era relativamente fácil garantir um teste negativo em competição conhecendo a farmacologia das drogas.
Apesar da proibição do doping no desporto, todos sabemos que é uma realidade. Estima-se que entre 20% a 60% dos atletas tenham usado substâncias elícitas em algum momento da sua carreira. O controlo anti-doping não é infalível e escândalos como o da Federação Russa em 2017 não são de estranhar. Muito mediático foi também o caso Balco em 2002 nos EUA, que levou à sansão de atletas de elite como Marion Jones e Tim Montgomery. Um treinador de atletismo enviou uma seringa cheia com uma substância desconhecida até então para a entidade anti-dopagem Norte-Americana, identificada como tetrahidrogestrinona (THG). Um esteroide anabolizante que era indetectável até então, sintetizado por Patrick Arnold, um químico funcionário da Balco de Vitor Conte. Das quase 200 000 amostras analisadas pela WADA anualmente, cerca de 2% contêm substâncias proibidas. Desses 2%, 45% são esteroides anabolizantes. Dados que obviamente subestimam a realidade.
Apesar do doping ser transversal ao desporto, os culturistas acabam por ser os poster-boys e bodes expiatórios. Os estudos falam-nos de uma prevalência de 55%, semelhante à que encontramos em powerlifters mas que poderá estar subestimada. A utilização é uma realidade bem evidente no nível de massa muscular e gordura que apresentam em determinados momentos do ano. Os primeiros relatos da utilização recreativa para fins estéticos remonta a Venice Beach, Califórnia, nos anos 50, a meca e berço do culturismo. Além da testosterona, já outras drogas como o dianabol (1955) estavam disponíveis que se acreditava terem um potencial mais interessante para objectivos estéticos.
Estima-se que os atletas de alta-competição representem apenas cerca de 20-30% dos utilizadores de esteroides anabolizantes. O seu uso é comum também entre forças policiais e militares operativas, mas principalmente entre indivíduos com fins meramente recreativos e estéticos. No Meio do fitness. Os efeitos podem ser dramáticos na composição corporal, força, sensação de bem-estar, energia, líbido, mas com riscos também eles reconhecidos e que falaremos depois.
É difícil estimar a prevalência da utilização de esteroides anabolizantes entre entusiastas do fitness, ou mesmo na população em geral. Estudos com populações Ocidentais que poderíamos comparar a Portugal, como os EUA ou Suécia, falam-nos de uma prevalência global de 1-5% nos homens. Nas mulheres a prevalência é menor, embora em crescimento. Entre os frequentadores de ginásios e praticantes, a prevalência sobe para cerca de 15-20%. Cerca de 20% dos frequentadores de ginásio já, em algum momento das suas vidas, tomaram algum tipo de esteroide anabolizante. As drogas mais comuns que se destacam são a oxandrolona e a testosterona. No Brasil por exemplo este valor sobe para os 30%, país onde a utilização de substâncias dopantes é massificado, e até normalizado com aval médico eticamente questionável.
A realidade brasileira é distinta da portuguesa, felizmente. Um exemplo que o ilustra bem foi a prescrição de um manipulado por parte de um nutrólogo brasileiro que me chegou às mãos. De um paciente que me dizia estar a tomar um multivitamínico para aumentar o vigor e força. Entre uma longa lista de vitaminas e minerais, constavam “5 mg de oxandrolona” como se de um composto natural e de menor importância se tratasse, quando na verdade é um esteroide anabolizante no mercado há décadas. Na mesma linha começamos a importar do Brasil a terapia de reposição de testosterona (TRT) sem qualquer indicação clínica. É preocupante ver como homens nos seus 20 e 30 anos acham que precisam de reposição de testosterona (TRT) sem indícios de alguma disfunção no eixo hormonal. Mas mascarado por alegados benefícios na sua saúde e bem-estar, o que também querem na verdade é usufruir dos efeitos da testosterona a nível da composição corporal. “Jardar” com prescrição médica, e com menor carga moral. Vamos chamar as coisas pelos nomes. Não é terapia nenhuma.
Isto leva-nos a uma questão mais complexa que é posição médica perante este fenómeno. Quem quer usar esteroides anabolizantes deve poder usufruir de acompanhamento médico para que o possa fazer com o menor risco possível? Um médico sério não poderá compactuar com o uso recreativo de esteroides anabolizantes. Os riscos não são compensados com qualquer benefício clínico, nem existe qualquer indicação terapêutica para a sua prescrição. Em maior ou menor grau, se alguém quer colocar em risco a sua saúde sem um benefício clínico deverá fazê-lo sozinho. Os esteroides anabolizantes são fármacos, e como todos os fármacos acarretam riscos. Um médico ao prescrever anabolizantes para fins recreativos incorre de má conduta.
Outra coisa bem distinta é o juízo moral que os clínicos fazem a quem lhes recorre para tratamento de sequelas. Revoltante e indigno da profissão. Vezes sem conta me deparei com pessoas que se sentiram humilhadas no consultório médico, e alguns deles saindo até com a recusa de tratamento pós-ciclo. É verdade que a grande maioria dos médicos, incluindo especialistas, não sabem o que fazer nestes casos. A ignorância assusta e leva a uma atitude defensiva. O papel do médico é tratar e não ajuizar. Nem sequer opinar se a pessoa fez bem ou mal, embora uma atitude educativa nunca tenha feito mal a ninguém. Se não sabe o que fazer, que vá estudar ou encaminhe para alguém que saiba. Com respeito e interesse máximo pela saúde do doente. Uma atitude reprovadora e de julgamento só afasta e alimenta a vergonha que estes pacientes têm em procurar um médico. Abre espaço para que outras pessoas menos competentes ocupem o lugar que lhes deveria estar reservado. É o gym bro que o vai tentar ajudar.
Os utilizadores de esteroides anabolizantes não dão crédito aos médicos como conhecedores do tema, optando por se informar junto de treinadores, culturistas e na internet. Uma pesquisa nos EUA mostra que 56% nunca revelaram ao seu médico o uso de anabolizantes pelo receio de julgamento, desconfiança na capacidade técnica, ou medo de repercussões legais. E dos que reportaram o uso, 55% diz ter-se sentido discriminado e desrespeitado. Dados muito preocupantes e é urgente mudar esta atitude por parte da comunidade médica, e garantir formação adequada para esses profissionais sobre os esteroides anabolizantes.
Podemos também traçar um perfil do utilizador de esteroides anabolizantes. A idade mais frequente para o início da utilização é entre os 22 e os 30 anos. Na verdade, a grande maioria inicia o uso antes dos 30 anos (>70%), e menos de 10% antes dos 18 anos. A motivação primária é a aparência física (~80%), seguida dos ganhos de força. Muitos homens reportam ainda problemas de autoestima e imagem corporal, existindo uma associação entre os anabolizantes e distúrbios alimentares ou dismorfismos corporais como a vigorexia.
Falamos muito dos estereótipos de beleza nas mulheres, mas não são apenas elas que desde cedo recebem inputs do que é socialmente aceite e valorizado. Também os rapazes desde criança são ensinados subtilmente a associar corpos musculados à virilidade, heroísmo, sucesso e estatuto. Exige-se uma Barbie com proporções corporais mais realistas. Mas não vejo ninguém a queixar-se de que o Action Man, o He-Man, o Conan ou as Tartarugas Ninja são demasiado musculados. Os rapazes não são menos permeáveis à influência destes estereótipos no seu desenvolvimento como adolescentes e adultos, mas é um assunto a que não se dá a devida importância. Vivemos ainda numa sociedade patriarcal em que os homens não sofrem dessas coisas... sinal de fraqueza. Mesmo com um risco reconhecidamente aumentado de vigorexia e de recurso a esteróides anabolizantes, problemáticas que no fundo têm uma base social bem patente. A associação de um corpo a estatuto numa determinada hierarquia. Corpo esse que nem sempre é obra da natureza, mas “quimicamente melhorado”.
Se o uso destas substâncias é cada vez mais comum, também será a necessidade de tratamento dos colaterais. O acesso aos esteroides anabolizantes é fácil no mercado negro, e são relativamente baratos. A matéria-prima produzida na Índia e principalmente na China chega à Europa com relativa facilidade. Já aqui é convertida no produto final para aplicação intra-muscular ou administração oral em laboratórios clandestinos, que recorrem a um embalamento pomposo e números de série fictícios para credibilizar o produto. Mas na verdade trata-se de um pó vindo da China e que foi convertido numa qualquer cave, com mínimas condições de assepsia. Qualquer criança pode ser ensinada a fazer. Não é preciso mais do que um solvente, um agente bactericida, e um veículo oleoso, aquecer tudo para solubilizar, e passar por um microfiltro. O resto é embalamento em vials ou ampolas esterilizadas. Passos que nem sempre se executam de forma rigorosa, e depois acontecem casos como o do actor Ângelo Rodrigues. Uma infecção e septicemia, potencialmente letais. Não são efeitos da droga em si, mas das condições pouco higiénicas em que foi manipulada. As estatísticas revelam que mais de 60% dos utilizadores adquirem os esteroides anabolizantes pela Internet, sem garantia de segurança e autenticidade do produto. Poucos são os que usam substâncias de grau farmacêutico autêntico, e menos de 15% os obtém por prescrição médica. Um problema ético que já focámos, mas que pelo menos dá garantias quanto à qualidade das drogas que são administradas.
Há quem desvalorize o impacto dos esteroides anabolizantes no físico e desempenho. Por má fé ou ignorância. Sim o efeito é dramático e não são só um caminho mais rápido para atingir um objectivo. São uma forma de atingir objectivos que não seriam atingidos por outra via. Não é por o indivíduo X ter um físico melhor do que Y. Mas comparando com ele próprio, X nunca teria atingido naturalmente aquilo que pode conseguir com os esteroides anabolizantes. Tão simples quanto isto. Os ganhos de massa magra são óbvios, e apesar do treino os potenciar muito, eles ocorrem de forma independente. Vários estudos com acamados demonstram isso inequivocamente, embora numa dimensão inferior ao que se obtém conjugando o treino resistido. Ganhos de massa magra que vêm acompanhados de um aumento da capacidade de produção de força, maior tolerância ao esforço físico, e uma recuperação bem mais rápida. Mas ganhos esses que não se parecem manter, e 3 meses depois da toma os estudos mostram-nos uma perda quase total. Mais um assunto que será detalhado.
Apesar de ser evidente para quem está no terreno que os anabolizantes exercem um efeito dramático na massa muscular e força, foi apenas em 1996 que Bhasin o deixou claro para a comunidade médica e científica (figura 2). Até lá a evidência era parca e limitada a estudos metodologicamente deficientes e não-controlados, que levava à crença de que os efeitos em homens saudáveis eram marginais. Falava-se até num efeito placebo, ou em saturação de receptores pelos níveis naturalmente mais altos nos homens. Hipótese mais tarde refutada. Bhasin demonstrou que doses suprafisiológicas, 10 vezes superiores às usadas para fins terapêuticos mas comuns para fins de doping, aumentam significativamente a massa magra e força em homens jovens sem hipogonadismo. Um efeito que se revelou sinérgico com exercício físico. Apesar da utilização de esteroides anabolizantes no desporto vir já dos anos 50, só em 1987 o American College of Sports Medicine reconheceu o seu efeito a nível da força e massa muscular de um atleta. Ano em que Ben Johnson esmagou o record do Mundo dos 100 m com a ajuda do stanozolol (Winstrol).
É interessante notar que o efeito dos androgénios na massa magra ocorre de uma forma diferencial e regionalizada. Os ganhos são bem superiores no tronco em comparação com os membros inferiores. Este fenómeno explica-se pela distribuição dos receptores androgénicos (AR), ao qual se liga a testosterona e esteroides anabolizantes, que se sabe não ser homogénea no corpo. A sua densidade é superior no tronco, o que explica também o dismorfismo que existe entre homens e mulheres no que respeita à massa muscular. A diferença reside essencialmente no tronco e não nas pernas, segmento em que a massa magra não difere substancialmente entre sexos. Os homens produzem cerca de 7 mg de testosterona por dia, e as mulheres 0,05 mg. Qualquer efeito da testosterona é obviamente mais marcado no homem, e acentua o dismorfismo sexual. Mais massa muscular no tronco e cintura escapular mais desenvolvida.
A variabilidade do efeito da testosterona, entre sexos, regionalmente ou inter-individualmente, pode ser explicada pela densidade de receptores mas não só. É verdade que existe uma relação entre a quantidade de receptores androgénicos no músculo e o potencial hipertrófico. Mas a acção do receptor é também condicionada pelo recrutamento de activadores e repressores transcripcionais que se expressam diferencialmente entre tecidos e até indivíduos. É uma acção intrincada e concertada de vários actores que ainda não está totalmente clarificada. Mas a verdade é que nem todos beneficiam dos esteroides anabolizantes da mesma forma, nem os colaterais se manifestam de uma forma previsível. Detalharemos um pouco mais este assunto.
Estudos que avaliam o impacto da administração de testosterona em doses supra-fisiológicas, e os que avaliam o efeito terapêutico em homens com hipogonadismo, revelam também uma tendência moderada para perda de massa gorda absoluta. Mas ao contrário do que acontece com os ganhos de massa magra, que são tendencialmente proporcionais à dose (figura 3), o efeito positivo na perda de massa gorda parece descrever uma tendência em “U”. Em doses infra-fisiológicas e muito elevadas existe um aumento da massa gorda. Mas apesar desse efeito, é na preservação da massa magra e até ganho em restrição calórica que os anabolizantes se revelam uma arma poderosíssima na melhoria da composição corporal. Provavelmente a mais poderosa de todas. Muito mais do que a hormona do crescimento e outras drogas caras de acesso mais “selectivo”.
Cada esteroide anabolizante tem o seu perfil e um impacto diferente na composição corporal, embora os mecanismos de actuação sejam em tudo semelhantes. Só existe um receptor, com uma única isoforma, que todos os esteroides anabolizantes partilham. O receptor androgénico (AR). O que varia é a afinidade, o recrutamento de co-factores de transcrição, e a metabolização em diferentes compostos intermediários com actividade biológica. Um aspecto que parece ser ignorado por muitos utilizadores que optam por combinar uma panóplia de esteroides anabolizantes como se existisse no corpo um receptor para cada um. Um receptor para a testosterona, outro para a oxandrolona, outro para o stanozolol. Não é assim que funciona e combinar várias drogas sem critério só aumenta a dose cumulativa e os potenciais efeitos secundários.
A problemática dos esteroides anabolizantes é ainda um tabu, mas cresce consistentemente enquanto os profissionais de saúde viram a cabeça para o lado. Falta de formação ou de sensibilidade para a problemática, que não é vista como dependência ou manifestação de problemas de auto-estima proporcionados por uma sociedade competitiva e que valoriza o físico como marca de virilidade e estatuto. Citando Matt Haig no seu livro “Reasons to Stay Alive”, estar satisfeito nos dias que correm com a nossa simples existência é quase um acto de rebeldia. Muito trabalho tem de ser feito para que o assunto mereça a devida atenção, e não falar dele certamente não contribui. Ajuda sim a mantê-lo na esfera obscura dos gurus e amigos de ginásio, que nem sempre têm o conhecimento necessário ou até o interesse fundamental na saúde do próximo.
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