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Taxa Metabólica de Repouso: a importância da calorimetria na avaliação

A estimação da taxa metabólica basal (BMR), correspondente ao gasto associado à manutenção das funções vitais e de natureza autónoma, é importante para o desenho de um plano nutricional energeticamente adequado aos objectivos individuais. É a componente do dispêndio energético com maior representatividade, correspondendo a cerca de 60-70% do total diário e directamente proporcional à massa magra, que em termos globais e absolutos é responsável pelo grosso da energia gasta mesmo em repouso.

Pela relevância deste parâmetro foram derivadas até aos dias de hoje várias equações para estimar a BMR, ou taxa metabólica de repouso (RMR). A BMR e RMR apenas diferem entre si nos pressupostos da avaliação. A primeira requer um jejum de pelo menos 12 horas, repouso supinado por 30 min antes da medição, ausência de actividade física no dia, e um ambiente termoneutro. A RMR é avaliada em condições menos restritas, com 5 horas de jejum prévio e sem actividade física, correspondendo por norma a um valor <10% superior à BMR. E que por isso podemos para este fim considerar equivalente. Entre as equações mais usadas podemos destacar a de Harris-Benedict, de 1919 mas revista em 1985, Mifflin, ou Cunningham.

Estas equações derivam de extrapolações matemáticas da calorimetria, método gold standard para avaliar o dispêndio energético. A produção de energia no corpo humano é em tudo semelhante a uma combustão, com consumo de O2 e produção de CO2, água e energia, que no caso da oxidação biológica é parcialmente conservada no ATP. Ou seja, a energia metabolizada pode ser conhecida pela medição do volume de CO2 (VCO2) produzido e de O2 consumido (VO2). A equação de Weir simplificada traduz essa relação:

EE (kcal/d) = [VO2×3.941] + [VCO2×1.11] ×1440


Em que EE representa o dispêndio energético

A relação entre o CO2 produzido e O2 consumido (VCO2/VO2) é o que chamamos de Respiratory Exchange Ratio (RER), que mede a troca de gases a nível pulmonar e que pode ser facilmente quantificada com recurso a sensores de gases numa espirometria. Em repouso é equivalente ao coeficiente respiratório (RQ), que caracteriza o mesmo fenómeno mas a nível mitocondrial. Em esforço intenso ou em acidose metabólica por exemplo, estes dois parâmetros não são equivalentes. Mas para o cálculo da RMR sim.

O RQ pode variar entre 0,69 e 1,0, dependendo da proporção de utilização de cada substrato energético num momento. Na oxidação da glicose (C6H12O6), são consumidas 6 mol de O2 e produzidas 6 mol de CO2. Logo, o VCO2/VO2 (RQ) é igual a 1 (6/6). Na oxidação do ácido palmítico (C16H32O2) são consumidas 23 mol de O2 e produzidas 16 mol de CO2. Portanto, o RQ é de 0,69. Mas em condições fisiológicas nunca se verifica o uso exclusivo de um substrato. Em repouso os lípidos representam cerca de 70% do gasto energético e o RQ situa-se normalmente entre os 0,79-0,81.

Sabendo o RQ de repouso é possível calcular o dispêndio energético diário conhecendo apenas o VO2. Substituindo na equação de Weir,

EE (kcal/d) = [VO2×3.941] + [RQ×VO2×1.11] ×1440


Para avaliação exclusiva da RMR muitos calorímetros indirectos possuem apenas o sensor de O2 de forma a reduzir o custo do equipamento sem compromisso da medição. A calorimetria indirecta, por avaliação das trocas de gases, é bastante precisa e com uma margem de erro na ordem de 1%.

Mas se existem equações preditivas simples qual o interesse de avaliar a RMR por calorimetria? A verdade é que o erro da estimativa com o uso das equações pode ser significativo, particularmente nos grupos que mais poderão beneficiar da avaliação. Os obesos e atletas que estão nos extremos da distribuição normal da relação massa magra/massa gorda. A equação de Harris-Benedict, a mais usada, pode sobrestimar significativamente (~15%) o dispêndio calórico basal em normoponderais, e mais ainda em obesos (<40%). Por outro lado, em atletas com índices de massa magra superiores à norma a tendência é de subestimação. E equações validadas para atletas têm menor erro para este grupo mas sobrestimam a BMR em obesos.

Um exemplo, real. Homem, 35 anos, 1,72 m, 81 Kg e 10% de massa gorda. A equação de Harris-Benedict revista estima a RMR em 1800 kcal/d. A de Cunningham em 2104 kcal/d. Uma diferença de 305 kcal que será amplificada com o factor multiplicativo de actividade física (PAL). Considerando um PAL de 1,7, temos um TEE de 3060 kcal ou 3577 kcal respectivamente. Mais de 500 kcal de diferença dependendo da equação utilizada. Medindo por calorimetria indirecta, a RMR foi de 2240 kcal/d. Ligeiramente superior à estimativa de Cunningham, mas ~400 kcal acima da Harris-Benedict. Na prática, se estimasse a RMR pela equação de Harris-Benedict e calculasse um excedente calórico de 500 kcal para ganho de peso estaria na verdade numa situação isoenergética ou até ligeiramente deficitária.


Noutro sentido, uma mulher de 40 anos, 1,60 m, 116 Kg e 45% de massa gorda estimada.A equação de Harris-Benedict estima uma RMR de 1843 kcal/d e a de Cunningham em 1904 kcal/d. A avaliação por calorimetria indirecta traduz-se numa RMR de 1540 kcal/d. Um excesso de 300 kcal/d quando estimamos pela equação de Harris-Benedict. Um deficit desta magnitude estaria apenas a manter o peso quando o objectivo seria a perda.

Assim, a avaliação da RMR por calorimetria indirecta permite a redução drástica do erro na estimativa e maior robustez no desenho de um programa alimentar para perda, manutenção ou ganho de peso. As estimativas pelas equações preditivas podem apresentar erros grosseiros em certos segmentos populacionais ou contextos individuais (ex: deficit calórico prolongado, uso de sedativos, beta-bloqueadores, doença, stress e disfunções hormonais). A calorimetria trata-se de uma ferramenta relevante em contexto clínico e no exercício para um acompanhamento que se quer tão rigoroso quanto possível. Um exame simples que poderá ser feito na MetaClínic.

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