Os testes de “intolerâncias” alimentares tornaram-se comuns como forma de despistar reacções negativas a alimentos que se manifestariam como uma inflamação sub-clínica crónica e sintomas gastrointestinais variados. Na verdade, “intolerância” é uma designação incorrecta que deveria ser substituída por sensibilidade, como reacção de natureza imunitária que se trata. Uma intolerância define um processo digestivo anormal com sintomas gastrointestinais imediatos. Por exemplo, a intolerância à lactose causada por déficit enzimático e que não é diagnosticada por análise sanguínea. Estes últimos avaliam a presença de imunoglobulinas G (IgG) específicas para certos alimentos, e indicadoras de uma reacção imunológica tardia. Em contraste com as IgM, de natureza aguda, ou IgE, de uma reacção alérgica, as IgG mantêm-se elevadas durante muito tempo após exposição a um antigénio, alimentar ou infeccioso, representando uma espécie de memória imunológica do contacto.
Sabemos também que as IgG podem exercer um papel pro-inflamatório, embora os mecanismos não estejam totalmente clarificados. E na verdade, a infusão terapêutica de IgG pode até contrariar processos inflamatórios patológicos pelo que o seu papel poderá ser de alguma forma ambíguo. Quando o nosso sistema imunitário é exposto a um antigénio alimentar produz estas IgG como indicador de contacto, e não necessariamente como uma reacção adversa ao mesmo. Daí ser também comum encontrarmos positivos nos alimentos que comemos mais frequentemente, que foram introduzidos mais cedo nas nossas vidas, mas que não nos provocam nenhum tipo de mal-estar evidente. Nem algum prejuízo “escondido”. Além disso, a presença de IgG alimentares em crianças é um indicador de “tolerância” na idade adulta, e não o inverso. É normal produzir IgG quando expostos. O que não é normal é que o sistema imunitário esteja em contacto frequente com estes antigénios íntegros, sinal de uma barreira intestinal comprometida e digestão ineficiente. IgG elevadas para 3 ou 4 alimentos não significa nada, nem eles têm de ser retirados da alimentação. Mas uma longa lista de positivos e IgG totais elevadas pode de facto ser sinal de um intestino permeável, deficit enzimático, hipocloridria, e de uma inflamação crónica sub-clínica consequente. E isso sim deve ser tratado. A exclusão por si não resolve absolutamente nada.
E convém reforçar que alguns testes de alegadas intolerância são simplesmente estúpidos e pura aldrabice. Ninguém é intolerante a pizza ou queijo parmesão. Na melhor das hipóteses ao leite de vaca que lhe deu origem. Nem ao tomate cru e não ao cozinhado. Estes testes recorrem habitualmente ao biofeedback ou ressonância, uma técnica médica alternativa sem validade científica. Pressupõe uma resposta ressonante do organismo a frequências eléctricas especificas de certos alimentos. Ora, quero que me digam qual a frequência que “ressona” do tomate cru ou da pizza por favor. Não faz sentido algum nem tem qualquer validação científica fora dos veículos pseudo-científicos da medicina quântica, o que quer que isso seja. Profissional que se define como “quântico” ou é físico ou é aldrabão.
Os testes de intolerâncias alimentares, mesmo os testes a antigénios séricos, não têm grande utilidade clínica nem valem o investimento avultado, gerando muitos falsos positivos e levando desnecessariamente à exclusão de certos alimentos da nossa dieta. Produzir anticorpos a proteínas alimentares é normal, principalmente aos mais frequentes e introduzidos mais cedo, e até desejável desde que seja um processo moderado sem elevação das IgG totais.
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