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Hormona do crescimento na composição corporal

A medicina preventiva anti-aging tem crescido a olhos vistos nas últimas décadas e a Hormona do Crescimento (GH) é uma das suas ferramentas na promessa de “chegar novo a velho”. Mas também no desporto ela ocupa um lugar de destaque entre o “arsenal químico” à disposição do atleta para melhoria do desempenho, embora esse efeito no rendimento seja mais um mito do que uma realidade comprovada. Isto se o objectivo não for estético, como no fitness por exemplo, onde de facto a Hormona do Crescimento pode favorecer uma composição corporal optimizada pelos seus efeitos únicos a nível da partição energética entre músculo e tecido adiposo. Vista por muitos como o Santo Graal para estar fit, um exagero que em parte é alimentado pelo seu preço elevado e dificuldade de obtenção de forma legítima em grau farmacêutico.


A GH é uma hormona peptídica (191 aminoácidos) produzida na hipófise anterior. É secretada de forma episódica, pulsátil, com 70% da produção diária a ocorrer nas primeiras horas de sono profundo, no chamado slow-wave sleep, e vários pulsos discretos durante o dia, algumas horas após as refeições, na fase pós-abortiva quando a glicemia começa a baixar. Durante o jejum, privação energética, e em condições de stress físico, como o exercício por exemplo, a sua secreção é amplificada numa magnitude que pode chegar às 20 vezes do valor basal, mas inferior ao pulso nocturno de natureza circadiana. Em oposição, os nutrientes de potencial energético, particularmente a glicose, inibem a sua produção.


Os efeitos da GH no metabolismo dos substratos energéticos é facilmente compreensível. Em condições de excedente, ela actua em conjunto com o IGF-1 (o qual ela própria estimula) e insulina, promovendo a retenção de azoto (proteína) no organismo. Em estados de deficit energético, a GH altera os substratos catabólicos preferenciais da glicose para os lípidos, permitindo a manutenção possível do tecido muscular. Na verdade, a GH é a principal hormona anabólica presente em condições de carência energética e jejum, ou cetose por exemplo, posição ocupada pela insulina em estados excedentários ou isoenergéticos após refeições.

No estado basal, o efeito dominante da GH é a estimulação da lipólise e oxidação lipídica. O aumento dos ácidos gordos livres em circulação e corpos cetónicos é provavelmente o efeito mais acentuado após um pulso exógeno singular da hormona, efeito este que perdura por várias horas. A zona abdominal, subcutânea e visceral, parece ser a origem da parte mais significativa desses ácidos gordos mas, curiosamente, os triglicéridos intra-miocelulares aumentam após exposição à GH, provavelmente pelo maior fluxo a este tecido que excede as necessidades energéticas na ausência de actividade física. Adicionalmente, alguns estudos sugerem que a GH inibe a lipogénese através de uma menor actividade da sintase de ácidos gordos (FAS). Os seus efeitos lipolíticos parecem também ser mediados pela activação da HSL (Hormone Sensitive Lipase) e supressão da actividade da LPL (Lipoprotein Lipase). Em adição, a inibição da expressão e actividade da enzima 11β-hidroxiesteróide desidrogenase (11β-HSD) reduz a conversão de cortisona em cortisol, e, desta forma, protege contra a deposição de gordura abdominal e visceral a que estes corticosteróides estão associados em exposição crónica.


Os resultados dos diversos estudos relativos ao metabolismo proteico não são consistentes. Existem evidências in vivo para um aumento da síntese proteica, mas para um efeito menos evidente na inibição da proteólise. A concentração de aminoácidos em circulação não parece variar substancialmente após administração de uma dose elevada de GH. A administração durante uma semana aumenta significativamente o turnover proteico no sentido positivo, embora alguns estudos não verifiquem um decréscimo notório no catabolismo. Além disso, a GH parece actuar no fígado como inibidor da produção de ureia, reduzindo assim a excreção da poolazotada em circulação. Isto sugere que os efeitos da GH no metabolismo proteico não se limitam à síntese e degradação nos tecidos periféricos mas também a uma redução na eliminação de azoto, retendo-o no organismo durante mais tempo.


Embora seja dominante em períodos de carência energética, vários estudos apontam para que a GH aumente os gastos energéticos em repouso de forma aguda, independentemente das alterações na composição corporal que promove. A GH estimula a conversão periférica de T4 em T3, aumenta a expressão de UCP-3 nas mitocôndrias do tecido muscular e adiposo (uma proteína que promove a dissipação de energia como calor durante a fosforilação oxidativa, sem síntese de ATP), aumenta o output cardíaco em repouso e a perfusão de vários órgãos. Todos estes mecanismos são capazes de aumentar o dispêndio energético basal e assim maximizar a perda de gordura que muitas vezes acompanha a administração de GH exógena em pacientes com hipopituitarismo, ou em uso não terapêutico.


Como disse inicialmente, a secreção de GH aumenta em resposta ao jejum e stress, sendo este também o domínio em que a GH tem o maior impacto e benefício no metabolismo energético. Um homem comum, com cerca de 80 kg, consegue armazenar em média 400 g de glicogénio, 7 kg de músculo mobilizável e 15 kg de gordura. Com um jejum prolongado, a oxidação de glicose fica dependente da degradação proteica pois são os aminoácidos os substratos preferenciais no processo de gluconeogénese. Desta forma, a manutenção da homeostase energética fica dependente da utilização de ácidos gordos e a GH a desempenha um papel central neste processo, sendo a única hormona anabólica que aumenta em condições de carência energética. Com a supressão de GH em jejum verifica-se um drástico aumento em 50% da excreção de ureia, acompanhado por um aumento em 25% da degradação proteica. No entanto, quando a lipólise é bloqueada com fármacos específicos durante o jejum, a excreção de ureia e degradação de proteína aumentam consideravelmente, e o efeito da GH é anulado. Resumindo, é durante os períodos de jejum que a GH revela o seu maior potencial anti-catabólico, não por um efeito directo nos tecidos mas pela capacidade dos ácidos gordos por ela mobilizados em poupar as reservas de proteína – músculo.


Utilização de Hormona do Crescimento para fins não terapêuticos


O efeito da GH a nível da partição energética, mobilização das reservas lipídicas para oxidação muscular e hepática, e até na estimulação da síntese de colagénio, fazem dela uma substancia popular para fins estéticos e de “prevenção” do envelhecimento. Espera-se um efeito positivo na composição corporal a partir de 2-3 IU diárias, superiores aos 1,5 IU naturalmente produzidos pelo corpo em condições fisiológicas normais, especialmente quando combinada com testosterona ou outra substância androgénica. No entanto, relata-se a utilização de doses bem superiores em Culturistas de elite, em alguns casos próximas das 15-20 IU, o que não se espera isento de riscos.


Existem patologias conhecidas em que a secreção de GH é anormalmente elevada, como é exemplo a acromegalia, marcada por um crescimento anormal das extremidades do corpo (pés, mãos, maxilar). Os sintomas associados a esta doença também se verificam em indivíduos sujeitos a terapia de substituição e caracterizam-se essencialmente por um aumento da lipólise e concentração de ácidos gordos livres em circulação, resistência à insulina (com elevada produção de glicose e reduzida captação nos tecidos periféricos), preservação proteica, altos níveis de IGF-1, e baixa percentagem de gordura corporal. A acromegalia é também um sintoma possível da utilização abusiva de GH para fins não terapêuticos.


A exposição a níveis elevados de GH induz um estado de resistência à insulina ou pré-diabetes, caracterizado por um aumento na gluconeogénese hepática e um menor consumo de glicose nos tecidos periféricos, nomeadamente no músculo. O fluxo de lípidos para o tecido muscular activa uma proteína, a PKC-delta, que inicia uma cascata de eventos que culmina na inactivação da sinalização da insulina e inibição da translocação dos receptores GLUT-4 para a membrana da célula. Além disso, pensa-se que a GH possa estimular a formação de proteínas PI3K, essenciais na sinalização da insulina, disfuncionais. O impacto da GH na sensibilidade à insulina em pessoas saudáveis tem sido estudada desde há vários anos e os resultados são transparentes. A infusão de GH reduz a sensibilidade hepática e periférica à insulina. Mas tecido adiposo menos sensível à insulina é também mais susceptível à lipólise.


Apesar da GH estimular a secreção de insulina no pâncreas de uma forma aguda, a continuação da libertação em resposta ao aumento da glicemia é inibido pela resposta da somatostatina ao pulso de GH. Como tal, a administração de GH em conjunto com uma refeição rica em hidratos de carbono terá como consequência a hiperglicemia, resultado da incapacidade em acompanhar o aumento da glicose com maior secreção de insulina, apesar do “pico” inicial. Como tal, o risco de desenvolver uma condição diabética ou pseudo-diabética é um alerta a fazer com a utilização contínua de GH, cuja administração deve ser feita pelo menos 3 horas antes de uma refeição rica em hidratos de carbono. Daí também muitos atletas optarem por usar GH em conjunto com insulina para minimizar este efeito, e em particular no pós-treino.


A GH pode também alterar o metabolismo das hormonas tiroideias e levar a um estado de hipotiroidismo transitório. Falámos anteriormente que a GH estimulava a conversão periférica de T4 em T3. Esta última tem uma afinidade para os receptores nucleares das hormonas tiroideias mais de 5x superior à T4, apresentando portanto maior actividade. No entanto, a T3 inibe por retroacção a produção de TSH a nível da hipófise, reduzindo assim o estímulo e produção total de hormonas tiroideias, em conjunto com o efeito que a GH, via somatostatina, parece ter por si só. Como tal, muitos optam pela utilização conjunta de T4 com Hormona do Crescimento no sentido de contornar este efeito supressivo a médio-longo prazo no eixo hipófise-tiróide.


Um outro efeito digno de nota é a possível retenção de líquidos (edema) que a utilização de GH pode provocar. Esta ocorre pelo aumento da aldosterona e retenção de sódio, um efeito que normalmente não é exagerado e que reduz com o tempo de utilização. No entanto poderá estar na origem de um outro sintoma comum da administração – o Síndrome do Túnel Cárpico e dormência dos dedos. Dores articulares são também possíveis, em particular nos tornozelos, nós dos dedos e cotovelos. Cardiomegalia, visceromegalia e hiperlipidémias foram também já descritas. Embora não existam evidências experimentais ou clínicas para tal, o que se conhece da biologia da GH torna-a um possível agente cancerígeno em pessoas pré-dispostas devido ao seu efeito mitogénico, provavelmente através do IGF-1.


Hormona do Crescimento e exercício


O exercício físico, como stressor que é, é um dos factores exógenos mais importantes na modelação da secreção aguda de GH. Nos últimos anos o uso da GH como agente dopante foi alvo de grande mediatismo, especialmente aquando dos Jogos Olímpicos de Pequim, embora a sua real utilidade no aumento da performance seja discutível e longe de provada. O principal efeito metabólico da GH durante o exercício moderado parece ser a estimulação da lipólise sem alteração evidente do metabolismo proteico ou da glicose. Apenas com a administração massiva e crónica parece haver uma inibição da degradação proteica com potencial anti-catabólico relevante.


O exercício de resistência muscular estimula a secreção aguda de GH. Este tipo de treino é capaz de aumentar as concentrações de GH durante 30 min após o exercício até 20 vezes o basal, tanto em homens como mulheres, embora os níveis basais desta hormona sejam superiores nas mulheres. É aliás neste grupo onde a GH parece ter um efeito mais importante no anabolismo. A magnitude do aumento é dependente dos exercícios executados, superior quanto mais massa muscular é envolvida, quanto maior a intensidade, volume e afectada também pelo tempo de descanso (quanto menor, maior a resposta). De um modo geral, programas que favoreçam um aumento acentuado nos níveis de lactato (intensidade e volume elevados, com curtos períodos de descanso entre séries e que esforcem grandes grupos musculares) tendem a produzir uma resposta superior de GH. A ingestão de alimentos pré-treino parece atenuar a resposta da GH. Quanto a alterações induzidas nos níveis basais, em repouso, o treino não parece ter qualquer influência.

A oscilação ligeira do pH do sangue pelo lactato é um dos mecanismos propostos como estimulador da secreção da hormona pela hipófise, embora os resultados dos diferentes estudos sejam algo contraditórios. Um outro mecanismo é o próprio estímulo neuronal aferente induzido pelo treino. Outros candidatos são as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina, já que parece haver uma relação entre os níveis destas hormonas e a indução de GH pelo exercício. Existe ainda um outro possível mecanismo que depende do aumento da temperatura do hipotálamo, órgão responsável pela regulação da hipófise. Não só o exercício aumenta a temperatura corporal, e nesta estrutura em particular, como também a secreção de GH e uma função intacta do hipotálamo são pré-requisitos essenciais à termorregulação durante o treino. Todos estes processos têm os seus fundamentos e não são exclusivos. É possível e provável que não exista um mecanismo singular na activação da resposta hormonal ao treino, mas que se trate de uma combinação de processos que actuam em sinergia.


É commumente alegado que certos aminoácidos, como a Glutamina e Ornitina por exemplo, podem elevar a secreção de GH, embora as evidências sejam anedóticas ou com pouca aplicabilidade in vivo. A L-Arginina parece estimular a produção de GH pela hipófise, mas convém sublinhar que tais efeitos são apenas verificados com administração intra-venosa. Pela via entérica a L-Arginina é metabolizada extensivamente antes de chegar à circulação periférica e à hipófise. Além disso, a suplementação com Arginina via oral (7 g), 30 min antes do treino, parece reduzir a resposta em cerca de 1/3. É provável que a Arginina induza um aumento demasiado rápido antes do onset da resposta provocada pelo treino. Este pico precoce deverá ter iniciado os mecanismos de inibição retroactiva à Hormona do Crescimento, bloqueando de forma parcial a resposta ao exercício. Não só a Somatostatina é responsável pela inibição, mas também o IGF-1 que aumenta em resposta à HC. Se há uma elevação prévia, a resposta a um estímulo seguinte fica atenuada, mesmo que se trate de um estímulo de maior amplitude. O resultado são níveis de exposição total consideravelmente inferiores.


Independente da resposta da GH ao exercício, é na minha opinião demasiado redutor desenhar um treino no sentido de optimizar a resposta aguda desta hormona. Esta estratégia entraria em conflito com outros métodos de provas dadas e que, em determinados contextos, não devem ser ignorados. Por exemplo, a GH será induzida pelo treino em jejum e potenciada se não houver uma refeição pós, mas isto não significa que esta seja uma estratégia viável para muitos atletas. Mais importante do que a resposta aguda e episódica ao treino será a sua acção concertada ao longo do dia e em respeito com os ritmos biológicos normais.


Conclusão


A Hormona do Crescimento é provavelmente das hormonas mais mistificadas no meio do fitness, também por ser virtualmente impossível de adquirir em grau farmacêutico e para fins não-terapêuticos pela grande maioria do público alvo. E na verdade, os efeitos a curto-médio prazo ficam normalmente aquém das expectativas pouco realistas de quem procura na GH o caminho fácil para o corpo desejado. É indiscutível o seu potencial para este fim, mas são também inegáveis os possíveis efeitos nefastos para a saúde com a utilização mal informada, ou simplesmente má sorte. No entanto, não deixa de ser uma das mais seguras entre as substâncias “ilícitas”. É mais uma arma no arsenal, que em determinados contextos pode fazer toda a diferença, mas que dificilmente ganhará a guerra sozinha.



Referências

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