Já não se discute a importância do sono e o impacto negativo da sua privação, mas continua a ser uma das variáveis menos cuidadas no Mundo Moderno. Temos vindo a perder horas de sono ao longo dos anos, e, mais do que isso, a qualidade desse descanso. São inúmeros os estudos que apontam para a deterioração severa da saúde, qualidade de vida, e um aumento do risco de doença crónica e mortalidade precoce. Também no contexto do exercício se sabe o seu impacto no aumento do risco de lesão, diminuição do rendimento e capacidade de recuperação, e inibição das adaptações ao treino. O sistema hormonal é grandemente afectado com uma aumento e inversão do padrão normal de secreção de cortisol, diminuição das hormonas sexuais, e menor produção de hormona do crescimento. O sono tem um efeito regulador dos nossos ritmos cronobiológicos, regenerador de tecidos, consolidação de memórias, remoção de metabolitos secundários da actividade neuronal, entre muitos outros efeitos que começam agora a ser descortinados. Tendo em consideração a elevada prevalência de distúrbios na população, este post aborda algumas estratégias que podem ser usadas para melhoria da qualidade e melhor higiene do sono nocturno.
Se pudesse apontar um culpado para a epidemia de distúrbios de sono que vivemos actualmente seria em dúvida o stress e ansiedade. A incapacidade de nos colocar-mos offline antes de deitar e a manutenção de um estado de vigília/alerta constante, como se tivéssemos em perigo. É acima de tudo um problema estrutural da sociedade e do estilo de vida corrido dos dias de hoje. Entre os presentes da evolução cognitiva da nossa espécie está a capacidade de antecipar e ruminar problemas a que não estamos expostos no momento. Mas é como o paradoxo do urso branco. Se vos disser para não pensarem no urso branco, é precisamente no urso branco que vão pensar. O que podemos então fazer para tentar melhorar a qualidade do sono nocturno e garantir o seu efeito reparador?
O sono é induzido por uma hormona, a melatonina, produzida pela glândula pineal. Quando o núcleo supraquiasmático deixa de receber informação da presença de luz, a pineal é estimulada a libertar melatonina. Na verdade, é o comprimento de onda do azul no espectro electromagnético, componente da luz branca, que inibe drasticamente a libertação de melatonina pela pineal. Todos os aparelhos electrónicos de imagem emitem radiação nesta frequência. Falo dos televisores, telemóveis e computadores a que nos habituamos naquelas horas antes de dormir. Evitar este tipo de exposição em horas tardias favorece a indução de sono ou, no limite, utilizar um dos vários mecanismos de filtros que já existem no mercado. Como curiosidade, a luz da vela emite muito pouco na zona do azul pelo que o seu efeito inibidor é mínimo. Um outro aspecto que condiciona a libertação da melatonina é a temperatura ambiente, pelo que idealmente o quarto nunca estaria acima dos 15-20 ºC, algo fácil de manter nesta altura do ano. E deve ser bem escuro, como uma gruta sem estímulos externos.
É sabido que o exercício físico tem um efeito hormético no sono. É positivo em quantidades ajustadas, e prejudicial quando em intensidade elevada ou quando simplesmente não existe. Os benefícios passam essencialmente pela produção de endorfinas e de serotonina, um neurotransmissor de relaxamento e percursor da melatonina. No entanto, em intensidade elevadas o efeito excitatório da adrenalina e noradrenalina, e aumento do cortisol, podem ser contraproducentes para a qualidade de sono. Exercício de baixa intensidade e volume médio antes de deitar, 45-60 min de duração a 50-60% VO2max, será mais conveniente facilitando a mobilização de ácidos gordos que descolam o triptofano ligado à albumina circulante (eu não disse que era mais favorável para emagrecer ok?!). O triptofano livre passa a barreira hematoencefálica e é canalizado para a síntese de serotonina, elevando os seus níveis. A isto podemos juntar um banho quente, também com efeitos positivos no sono. Apenas 10 min com água a 38-40 ºC parece suficiente para induzir sono mais rápido e melhorar a sua qualidade em atletas.
Estimulantes como a cafeína e substâncias aparentadas podem prejudicar o sono mesmo em pessoas que não têm a percepção do seu impacto negativo. Em alguns casos não é a indução que fica comprometida, mas sim a profundidade do mesmo. A cafeína é um antagonista dos receptores de adenosina que potencia toda a actividade excitatória a nível central. Claro que “metabolizadores rápidos” sofrerão menos dos seus efeitos, mas mesmo assim será aconselhável cessar o consumo pelas 15-16 horas. Também o chocolate/cacau, devido ao teor de teobromina, poderá ter um efeito idêntico, e a teína do chá verde, preto e branco. Todos a evitar em horários mais tardios do dia, embora o efeito excitatório do cacau possa em alguns casos ser anulado pelo efeito das anandamidas e feniletilamina que estimulam endorfinas e serotonina, de efeito ansiolítico e relaxante.
Comportamentos simples como meditar e ouvir música relaxante podem também facilitar o sono pelo seu efeito ansiolítico. Na verdade, qualquer prática que tenha esse efeito relaxante e anti-stress poderá ser uma estratégia de interesse. No mesmo sentido, evitar actividades que possam induzir stress como trabalhar e discutir com a cara metade… Além disso, o nosso corpo adora rotinas a previsibilidade, ajustando os seus biorritmos de acordo. Deitar sempre no mesmo horário e acordar sensivelmente à mesma hora, garantindo entre 7-8 horas de sono para um adulto. “Ah eu deite-me a que horas deitar, acordo sempre às 7:00”… Parabéns! Domesticaste o pico de ATCH e cortisol para que ocorra sempre no mesmo horário.
Algumas pessoas reportam que a ingestão de uma quantidade moderada de álcool, vinho tinto, tem um efeito positivo no sono pelo relaxamento que induz. É um facto que quantidades moderadas de álcool atenuam o cortisol e actividade excitatória central. Não está relacionado com algum componente do vinho mas é um efeito do álcool em geral. Efeito este mais uma vez hormético, ou seja, em doses moderadas pode ser positivo, mas passando essa dose tem o efeito inverso. Sinceramente não considero o álcool uma estratégia interessante, mesmo em quantidades moderadas. Existem outras formas de obter este efeito sem as consequências paralelas menos positivas que o consumo frequente pode ter.
A própria alimentação no período nocturno pode influenciar o sono. Refeições muito fartas antes de dormir podem activar o sistema nervoso simpático e induzir termogénese, resultando numa excitação fisiológica que não se pretende neste período. Em algumas situações a restrição de hidratos de carbono na ultima refeição pode ter um impacto negativo, por dois motivos. A necessidade de glucorregulação após refeição, com activação simpatoadrenal, e menor liberação de serotonina na fenda sináptica por menor disponibilidade de triptofano, seu percursor. A insulina promove indirectamente a passagem deste aminoácido através da barreira hematoencefálica.
Claro que existem também alguns suplementos que podem ajudar, mas por algum motivo os deixei para o fim. Infelizmente, o impacto positivo que têm não é comparável ao efeito que as alterações do estilo de vida e comportamentos podem ter na melhoria da qualidade do sono. E até o colchão onde dormes ou a almofada. O magnésio por exemplo tem um efeito ansiolítico pela inibição da actividade glutamatérgica, excitatória por natureza. O GABA pode igualmente potenciar a actividade neuronal GABAérgica, inibitória, em doses entre os 500-1000 mg antes de deitar. A própria melatonina pode ser suplementada, idealmente sempre no mesmo horário e dosagem, embora nem todos os indivíduos respondam a ela de forma positiva. Seja por acordarem meio “inebriados”, ou por terem noites agitadas e sonhos vívidos. Extratos de plantas como a Valeriana, Passiflora, Cidreira, entre outras são também opções a considerar. No entanto, e como referi, há trabalho a fazer primeiro antes de tentar seguir o caminho mais fácil.
A importância do sono já nem é debatível apesar de continuar a ser posto em segundo plano na vida Moderna que temos hoje. É natural que algumas das estratégias para o melhorar batam de frente com o nosso estilo de vida, cujo resultado podemos ver nas estatísticas de saúde. Ficam aqui algumas estratégias que podem ser adoptadas para melhorar a higiene de sono, e em consequência a nossa saúde geral. “Ah mais isso é muito complicado de fazer com a minha vida”. Bem… podes sempre encher-te de drunfos se preferires.
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