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Eficácia do colagénio para rejuvenescimento da pele e redução da flacidez

Atualizado: 16 de ago. de 2022


O colagénio é provavelmente o suplemento que mais furor faz no momento, prometendo melhorar a elasticidade e hidratação da pele, eliminar a celulite, reforçar o cabelo e unhas, e até a saúde osteoarticular. O mercado de suplementos direcionados para a estética e dermatocosmética é uma mina de ouro, e as pessoas abrem a bolsa sem questionar para qualquer produto que alegadamente as deixe com uma aparência mais jovial e pele menos flácida. Não é difícil encontrarmos estudos que parecem suportar estas promessas, mas que devem ser analisados com o devido espírito crítico quando existem fortes interesses económicos associados. Nem tudo o que se publica é boa evidência, e a ciência deixa muitas dúvidas relativamente à eficácia da suplementação com colagénio. Vamos tentar perceber porquê.


Antes de mais, o que é o colagénio? Trata-se de uma proteína com funções estruturais presente no tecido conjuntivo, entre eles a derme. Existem mais de 20 tipos já identificados, mas o mais comum é o colagénio tipo I que representa cerca de 80% do presente na pele. Apresenta uma estrutura fibrilar em tripla hélix que lhe confere grande força tênsil. É produzido por fibroblastos na derme, também responsáveis pela síntese de elastina e ácido hialurónico que com o colagénio são responsáveis pela elasticidade, deformabilidade, e hidratação da pele. Tudo o que queremos para uma pele “saudável” e bonita.


É verdade que a capacidade de produção de colagénio decresce à medida que envelhecemos, numa taxa estimada em 1,0-1,5% ao ano a partir do início da idade adulta. Na menopausa a degeneração acelera, verificando-se uma redução do teor de colagénio na pele em 2% por ano. A exposição a factores ambientais como o sol e o tabaco podem acelerar ainda mais a redução da síntese e a degradação do colagénio. E uma vez que a semi-vida do colagénio no organismo é longa, 15 anos aproximadamente, os danos são acumulados com o tempo e contribuem para uma degeneração progressiva e diminuição do seu teor na pele.


A estrutura do colagénio tipo I é determinada por uma sequência de aminoácidos Gly-X-Y, onde X e Y são frequentemente prolina, hidroxiprolina e lisina, embora outros possam aparecer pontualmente. Não contém triptofano pelo que não é uma proteína completa, nem proporções adequadas de aminoácidos essenciais, o que do ponto de vista qualitativo e de valor biológico não lhe confere grande interesse nutricional. É a hidroxilação pós-traducional da prolina e lisina que permite o cross-link entre fibras e a estrutura helicoidal característica do colagénio. Reacção essa tornada possível pelo ácido ascórbico (vitamina C), essencial para a síntese e conformação da proteína.


Como é óbvio para quem tem conceitos básicos de fisiologia, e fácil de entender para quem não os tem, o colagénio que ingerimos não se vai depositar na pele ou noutro tecido qualquer. Trata-se de uma proteína bem grande que, como todas, vai ser digerida e assimilada em aminoácidos ou pequenos péptidos (di e tri-péptidos) resultantes da digestão incompleta, e assimilados via PEPT-1 (transportador de pequenos péptidos nos enterócitos), por transporte paracelular, ou transcelular. A única hipótese plausível seria que esses aminoácidos ou péptidos estimulassem a síntese endógena de colagénio, o que se parece verificar in vitro. Péptidos de hidroxiprolina e prolina (Pro-ProOH) podem promover a síntese de colagénio por fibroblastos em cultura, através de mecanismos ainda mal caracterizados.


Embora mecanisticamente o efeito da suplementação possa ser possível, biologicamente é pouco provável. Os péptidos assimilados via PEPT-1 são maioritariamente digeridos por peptidases intracelulares e libertados na circulação portal como aminoácidos. A membrana basolateral não tem transportadores deste tipo. Apesar de já terem sido doseados dipéptidos Pro-ProOH na circulação, provavelmente serão captados por via paracelular ou transcelular com envolvimento de vesículas exocíticas. A ingestão de 20 g de colagénio, 2 a 4 vezes mais do que a recomendação na maioria dos produtos, poderá elevar a concentração destes dipéptidos no plasma a cerca de 25 nmol/mL. Pondo em perspectiva, a concentração normal de prolina em jejum é superior a 150 nmol/mL. E quanto aos aminoácidos assimilados no trato gastrointestinal, entram na circulação portal onde sofrem uma primeira passagem pelo fígado, local de metabolização da hidroxiprolina a oxalato. Portanto, a quantidade deste aminoácido que chega à circulação periférica, e que poderia ter efeito sobre os fibroblastos na pele, será mínima. Teria de escapar à metabolização pelos enterócitos e fígado, distribuindo-se pelo organismo até ao tecido desejado. Neste caso a pele. Convém salientar que a hidroxiprolina não serve como precursor na síntese de colagénio uma vez que se trata de uma modificação pós-traducional. É incorporado como prolina e só depois hidroxilado pelo ácido ascórbico. Aminoácidos provenientes da digestão do colagénio servem de precursores tanto como os de outra proteína qualquer.


Apesar de fisiologicamente não existir grande suporte para a suplementação com colagénio, a evidência deixa margem para dúvidas que necessitam de ser esclarecidas com ensaios clínicos. Estudos em modelos celulares in vitro ou animais não têm transfere para humanos. Existem vários trabalhos publicados que avaliam a eficácia do colagénio em parâmetros dermatológicos e osteoarticulares, mas vamo-nos focar nos efeitos a nível da pele. Quando analisamos a evidência clínica de um determinado suplemento alimentar, neste caso o colagénio, temos de o fazer com espírito crítico. A grande maioria dos estudos, se não todos, são patrocinados por uma indústria ávida em lucrar com o seu produto, e criar uma necessidade justificada com algum tipo de suporte científico.


Por exemplo, um estudo multi-centro com 217 mulheres entre os 23 e os 69 anos avaliou a eficácia de um suplemento de colagénio (Pure Gold Collagen) em atenuar os sinais de envelhecimento da pele. Foram recrutadas por dermatologistas em 5 países diferentes antes da realização de um procedimento estético invasivo – botox, peeling químico, aplicação de fillers, laser, ou cirurgia plástica. Durante 2 meses suplementaram diariamente com 50 mL do produto, contendo 5 g de colagénio hidrolisado. Da amostra total, 157 mostravam sinais de envelhecimento e rugas. Ao final do estudo, 109 (69%) desses terão mostrado sinais visíveis de melhoria segundo a avaliação dos especialistas. O engraçado é atribuir o efeito ao colagénio quando 78% dos que relataram melhorias foram sujeitos a procedimentos estéticos precisamente para mitigar os sinais de envelhecimento. Das 217 mulheres, 86 apresentavam sinais de fotoenvelhecimento e pigmentação. Ao final da intervenção com o suplemento, 37 tinham aparentemente melhorado (43%). Uma outra forma de ler estes resultados é que 57% das mulheres não revelaram melhoria nenhuma, o que não abona a favor.


Ora, este estudo tem vários problemas evidentes. Em primeiro lugar, não existe grupo controlo com placebo para concluir que as melhorias se devem ao suplemento e não ao condicionamento do ensaio. Quando alguém entra num estudo tem tendência a uma mudança de comportamento que altera o outcome. Além disso, o suplemento não é composto apenas por colagénio, mas também por vitamina C, vitamina B6, óleo de borragem, glicerol, biotina, ácido hialurónico, N-acetilglucosamina e zinco. Não seria possível atribuir o efeito ao colagénio. Mas a principal limitação está relacionada com os próprios desfechos, baseados numa avaliação subjectiva das características da pele por parte da equipa e dos participantes. Escalas visuais e percepção, que obviamente estão sujeitas a um grande bias quando o ensaio não é double-blinded. O facto de saber que estou a tomar um suplemento, ou que quem estou a observar o está a tomar, condiciona a forma como avalio resultados de acordo com as minhas expectativas. Se acredito que o suplemento funciona ou não. E mais ainda quando estou a receber dinheiro para conduzir o ensaio, já que o mesmo foi financiado pela Minerva Research Labs, detentora da patente do Pure Gold Collagen.


Um outro estudo foi conduzido e publicado mais tarde com o mesmo produto, agora double-blinded e com placebo, no sentido de avaliar a eficácia do suplemento na elasticidade da pele. Ou seja, os participantes não sabiam se estavam a tomar o Pure Gold Collagen ou água com sabor, nem os avaliadores deveriam saber em que grupo estava incluído cada indivíduo da amostra. E apesar da análise sub-grupo revelar uma melhoria em 7,5% no grupo que tomou o suplemento, entre o dia 0 e o dia 90, não se verificaram diferenças entre grupos ao final da intervenção. Além disso, a escolha do placebo não é irrelevante. É sabido que a ingestão proteica estimula a síntese endógena de forma indiferenciada, incluindo nos fibroblastos. Não será estranho que a de colagénio também aumente, independentemente da fonte. Não é com açúcar ou maltodextrina que se tem de comparar, mas sim com uma dose equivalente de outra fonte proteica. Por mais voltas que se tente dar aos dados, não é possível afirmar que o suplemento tem um impacto significativo na elasticidade da pele. E mais uma vez o ensaio foi financiado pela Minerva Research Labs.


É normal e desejável que a indústria financie a investigação, desde que não condicione os resultados ou a publicação de um que lhe é desfavorável. Vamos imaginar o seguinte cenário. A companhia tem 20 ensaios a decorrer, em centros distintos e com diferentes amostras. Será de esperar pelo menos um resultado estatisticamente significativo, mas falso positivo. É o que significa um p<0,05. Que a probabilidade de surgir um resultado artefactual positivo, mas falso, é de 1 em 20. Se apenas esses forem levados até ao fim e saírem para publicação, temos uma percepção enviesada da evidência. Daí a importância da replicação em ciência. Ninguém quer ser o segundo a descobrir algo, e todos estão sedentos pela novidade. Mas o trabalho de replicar estudos é fundamental para solidificar a evidência, e muito contribui para o conhecimento científico.


Um esforço tem sido feito pela transparência na ciência, e nesse sentido surge a obrigatoriedade do registo de ensaios clínicos. Tentando garantir que os resultados negativos não são “esquecidos”. Todos os estudos com registo de início deverão ter um fim e um resultado que, favorável ou não, é importante para o conhecimento sobre um tema. Ou ser interrompido no seu decurso com uma justificação. No registo deve também ficar claro qual o outcome primário e secundários para o qual o estudo foi desenhado, de forma a evitar o reporting bias. Quando os autores decidem esquecer variáveis cujos resultados foram inconvenientes. No melhor exemplo que ilustra a importância do registo, a GSK conduziu estudos com um antidepressivo em jovens para avaliar a eficácia no controlo da sintomática da doença e seus colaterais. Um dos outcomes entre vários seria a ideação suicida, mas como os trials não foram registados não se sabia que esse era um dos colaterais cujo risco estava a ser avaliado. Verificando-se um aumento significativo do risco, a GSK simplesmente decidiu ignorar e não reportou essa variável. O caso foi tornado público mais tarde e a companhia penalizada por isso.


Nem todos os editores de revistas científicas são rigorosos com a exigência de um registo prévio, seguindo as recomendações da ICMJE (International Committee of Medical Journals Editiors). Aceitam resultados de ensaios que não foram registados, como os que analisei anteriormente com o colagénio, ou que o foram retrospectivamente. Só depois de obter o resultado que interessa é que o ensaio entrou na base de dados. Ora, os registos retrospectivos deveriam ser proibidos pois como é óbvio só se vai registar o que dá jeito. A declaração de Helsínquia, que tenta regular os ensaios clínicos, é clara. “Todos os ensaios devem ser registados numa base de dados pública antes do recrutamento do primeiro sujeito”. E a revista em que o trabalho é publicado tem toda a relevância. Qualquer resultado positivo inquestionável de um suplemento nas características da pele merecia um Nature ou New England Journal of Medicine pela importância que tem. Talvez esteja a exagerar, mas em alguma bem reputada. Não um Skin Pharmacology and Physiology, número 5120 no ranking. Onde curiosamente os “positivos” têm sido todos publicados. Por uma fee, alguma revista vai aceitar o paper sem grande escrutínio. Mas nem tudo o que está publicado é boa evidência.


Dei o exemplo do Pure Gold Collagen, mas poderia falar de outros. Como o Verisol da Gelita, também com alguns estudos patrocinados e não-registados a sugerir resultados positivos na elasticidade da pele e sinais de envelhecimento. Trabalhos esses de uma equipa que integra funcionários da própria empresa, e financiada pela mesma. Não querendo ferir a idoneidade dos investigadores, não são estudos independentes como manda a boa prática, e todos eles do mesmo grupo de trabalho. Será necessário replicar resultados em condições equiparáveis para que os dados sejam reforçados ao ponto de se poder chamar de “evidência”. Mesmo que aparentemente o estudo esteja bem desenhado. Sem registo prévio, vamos imaginar que existem 40 ensaios com o Verisol a ser conduzidos com diferentes amostras e por diferentes equipas por todo o mundo. E só os 2 que por mero acaso deram resultado positivo foram publicados e usados como evidência em suporte do suplemento. Não existe nenhum problema com o estudo nem foi necessariamente mal conduzido. É apenas um artefacto estatístico, pois 1 em cada 20 serão falsos positivos. Dos outros 38 simplesmente não se deu conhecimento.


O mesmo problema se levanta para as revisões sistemáticas e meta-análises sobre a eficácia da suplementação com colagénio. Serão sempre muito influenciadas pelo viés de publicação. E apesar de aumentarem o poder estatístico da análise, não mitigam as lacunas metodológicas dos estudos que incluem. Estudos maus dão origem a más meta-análises e revisões sistemáticas. Temos de olhar para os estudos individualmente de uma forma crítica para retirar conclusões. Quando a evidência não é boa, não é uma meta-análise que vai resolver o problema. Nem é para isso que elas servem.


Os suplementos de colagénio são produtos muito interessantes economicamente para a indústria. Uma vez que a hidrólise potencia a absorção comparativamente à forma nativa, são patenteáveis e lucrativos. Direcionam-se a um dos maiores problemas do mundo moderno. O envelhecimento e a dificuldade em lidar com isso. Todos envelhecemos, e todos somos potenciais clientes. E poucos têm espírito crítico ou sabem interpretar a evidência científica. O mercado de suplementos dietéticos cosméticos e de beleza gera globalmente mais de 3 000 milhões de euros, e 53% diz respeito exclusivamente a produtos para a pele como o colagénio, embora ele possa ter outras alegadas aplicações como a unhas, cabelo, e problemas osteoarticulares. A necessidade existe, a indústria oferece. Independentemente de ser eficaz ou não, é seguro e não são de esperar colaterais que possam ter implicações legais.


Até ao momento não existe evidência minimamente robusta da eficácia do colagénio na melhoria dos sinais de envelhecimento e flacidez da pele. É um suplemento da moda, mas vaticino que não mais do que isso. Daqui a uns anos ninguém vai falar dele. Ou algo de surpreendente acontece no entretanto e surge um estudo independente, bem desenhado e dimensionado, a mostrar benefícios claros da suplementação. Poderão decidir que a evidência que vos apresentam é suficiente, e que mal não faz a não ser à carteira. Que merece a pena experimentar. Força nisso. É o vosso dinheiro. “Ah mas há dermatologistas que recomendam”. Também há endocrinologistas a dizer que a whey tem testosterona. E que se a tomarmos vamos direitinhos para a hemodiálise. Ou médicos a recomendar um multivitamínico quando uma pessoa diz que se sente cansada. Numa de “vai-te lá embora que eu também estou”. Ser médico não faz com que se esteja certo só por isso, nem que saiba fazer uma análise crítica da evidência. Ou que no meio da actividade clínica tenha sequer tempo, e acabe também iludido com todo o furor comercial à volta do colagénio. "Mas eu experimentei e notei diferenças". Também sabemos que um comprimido de açúcar azul melhora a dor de cabeça quando essa expectativa existe, e um vermelho não. Que um suplemento que custa 100 euros é mais eficaz do que um que custa 10, mesmo quando se trata exactamente da mesma coisa. As expectativas influenciam a percepção quando o resultado é avaliado por métricas subjectivas. Experiência pessoal não serve de evidência. Da minha parte, não é um suplemento que possa recomendar pelo que sabemos aos dias de hoje. Mas pode ser que até venha a mudar de opinião no futuro. Depende do que a evidência científica nos trouxer.


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