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Afinal a cerveja faz bem ou não?


Queria 1 eur por cada pessoa que me enviou a notícia de um novo estudo publicado por uma equipa portuguesa que, alegadamente, concluía que o consumo de cerveja favorecia a microbiota intestinal e não engordava. Alguns dos títulos sugeriam até que poderia ajudar a emagrecer. Era bom não era? Só que não. O que o estudo verificou foi que o consumo de 330 ml de cerveja por dia, tanto com como sem álcool, aumentou a diversidade da microbiota intestinal numa amostra de homens saudáveis com hábitos moderados de consumo de álcool. E que durante o período de intervenção, 4 semanas, não houve uma alteração significativa da composição corporal. Nada contra o estudo, apenas contra a interpretação abusiva que se fez dele.


Em primeiro lugar, os participantes que passaram a incluir uma cerveja diária na sua dieta já eram consumidores de bebidas alcoólicas, pelo que não terão adicionado mas substituído em parte o consumo habitual. Além disso, a quantidade de cerveja ingerida não significou mais do que um aumento do aporte energético diário em 150 kcal, facilmente compensado já que a dieta não foi rigorosamente controlada. Não seria expectável que em tão pouco tempo houvesse alguma alteração significativa da composição corporal. Estranho seria o contrário.


O estudo revela também que a cerveja, independentemente da presença de álcool, aumentou a diversidade da microbiota. O que se sabe estar associado a uma melhor saúde em geral, e composição corporal. Um efeito positivo que se alega às bebidas fermentadas. Ora, daqui a levantar sequer a hipótese de que a cerveja pode ajudar no emagrecimento ou ter efeitos positivos na saúde vai uma longa distância, embora dê um bom título de imprensa para click-bait.


A verdade é que pouco se sabe ainda sobre a interação microbiota-hospedeiro, nós, e estamos naquela fase infantil do conhecimento científico em que tudo e mais alguma parece ser influenciada pelo microbioma sem se saber como. Se a diversidade leva a um melhor outcome, ou se é o estilo de vida e ambiente que definem a composição da microbiota. Que estirpes em concreto são benéficas ou prejudiciais. Por exemplo, se as pessoas são magras porque têm maior diversidade, ou se têm essa diversidade devido à sua alimentação e outros hábitos, que também as leva a ser magras. Tanto quanto sabemos, segue uma boa dieta, rica em pré-bióticos, e o microbioma intestinal acompanha. A microbiota difere muito regionalmente, e com o padrão alimentar. A minha não é melhor do que a de um esquimó ou de um índio da Amazónia. Está adaptada a um ambiente diferente. A cerveja aumentou a diversidade? Certo. Mas em concreto isso significa o quê? Esse efeito iria manter-se a longo prazo ou algum filo iria ganhar predominância? E se em vez de cerveja eu tivesse comido iogurte ou sauerkraut? Não iria dar ao mesmo, e sem o álcool?


O álcool não é benéfico para a saúde. Ponto final. Nem existe uma dose óptima. É mau, e é tão pior quanto mais se ingerir. venha de onde vier. Sim incluindo o vinho tinto, que para conseguirem uma dose decente de resveratrol teriam de beber pelo menos 50L. Mas de preferência intra-venoso para evitar o metabolismo hepático. Beber moderadamente e de forma esporádica não traz grande prejuízo porque somos capazes de o metabolizar com boa eficácia. Mas se não bebermos nada, melhor ainda. Bebemos porque gostamos, e tudo bem quanto a isso. Apenas não se inventem justificações para aliviar a culpa. Citando Griswold et al. (2018) na revista Lancet, “o consumo de álcool é um dos principais factores de risco e causa de uma deterioração da saúde. Descobrimos que o risco de morte por qualquer causa, e em particular de cancro, aumenta com um consumo crescente e o nível de consumo que minimiza o risco é zero. Estes resultados sugerem que as políticas deverão ser revistas a nível Mundial, com foco na redução do consumo a nível populacional”.


"Ah mas uma cerveja ou duas não faz mal". Tudo certo. Mas bem é que não faz de certeza, nem te ajuda a emagrecer.

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