A hipertrofia muscular é um processo anabólico que necessita de um input de energia. Sintetizar proteína gasta ATP desde a tradução do DNA à formação dos RNAt, e principalmente na polimerização ribossomal do polipéptido. E por isso a formação de mais tecido contrátil e componentes celulares requer um ambiente metabólico favorecido pelo excedente energético. Mas quanto mais? Uma dieta para ganho de massa muscular levará necessariamente a um aumento da massa gorda? É consensual que o processo de hipertrofia é limitado na sua extensão e taxa, particularmente em indivíduos com experiência de treino resistido. Em termos médios os estudos mostram-nos ganhos não superiores a 1,5 Kg por mês nos homens, e menores 1 Kg nas mulheres. Isto já num cenário muito animador.
Considerando que a energia necessária para incremento de tecido muscular será equivalente a pelo menos a energia nele contida, gerar 1 Kg de músculo representa um custo de 1800 kcal. O que por dia não são mais de 60 kcal em excesso, ao qual teremos de adicionar o gasto associado à síntese proteica. Valor esse estimado em 2,2 kcal/g de proteína sintetizada. Se 1 Kg de músculo tem 20% de proteína na sua constituição (~75% é água), esse incremento de 200 g não “custa” mais de 500 kcal por mês. De um incremento diário de 60 kcal passamos a 80 kcal, o que continua a ser pouco significativo nos custos energéticos globais. Pondo em perspectiva, o organismo sintetiza diariamente em média 3 g de proteína/Kg por dia, o equivalente a 10-20% da taxa metabólica basal. O incremento de tecido contrátil representará um aumento ínfimo à síntese proteica diária. Obviamente que se tratam de extrapolações teóricas mas que servem para uma boa ideia do excedente energético em causa.
E por isso, estudos como o de Garthe et al. (2013) mostram diferenças muito pequenas nos ganhos de massa muscular em atletas de elite que aumentaram o aporte energético em 500 kcal/dia, de 3000 para 3500 kcal, e os que mantiveram um aporte intuitivo nas 3000 kcal diárias. O diferencial de peso deveu-se essencialmente aos maiores ganhos de massa gorda com um excedente de 500 kcal (15 vs 3%, em termos relativos). Ou como o de Ribeiro et al. (2019), em que comparando a ingestão de 50 kcal/Kg/dia com 67,5 kcal/Kg em culturistas de competição, a diferença nos ganhos de massa magra tenha ficado nos 600 g ao fim de 4 semanas, mas com um aumento absoluto de 1,2% na gordura corporal, comparativamente ao grupo com aporte mais moderado que aumentou apenas 0,1%. Cerca de 80% da diferença no peso foi gordura.
E por tudo isto podemos concluir que o ganho de massa muscular não é proporcional ao excedente energético, como é aliás óbvio. Embora aumente com esse incremento, a massa gorda eleva-se a uma taxa superior à medida que o aporte energético aumenta. Para a grande maioria dos indivíduos, um excedente de ~10% é mais do que suficiente para sustentar os ganhos de massa magra a um ritmo favorável e sem aumento significativo de gordura. É possível ganhar músculo sem ficar balofo. Na verdade, em alguns casos é até possível ganhar músculo e perder gordura em simultâneo, mas isto fica para um próximo artigo.
Referências
Eur J Sport Sci. 2013; 13(3):295-303
J Hum Kinetics. 2019; 70:125-134
Front Nutr. 2019; 6:131
Braz J Med Biol Res. 2012; 45(10):875-90
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